Opinião: Crise de valores e de exemplo

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Norberto Pires

Norberto Pires

1.Responsabilidade: Há uma coisa de que tenho a certeza absoluta. Se o Estado não é social, então não é Estado nem serve para nada. Há nisto tudo o que anda a fazer e a dizer toda a classe política, dentro e fora do país, uma ideia de falência da política como serviço público e uma forma de mudar o mundo. Fica evidente, perante a falta de consistência do discurso e da ação política, perante os sucessivos e descarados enganos, perante a forma displicente como se encara o debate e o envolvimento da população, que esta crise é muito profunda e mudará radicalmente a forma como nos organizamos e decidimos o nosso futuro coletivo. Nada voltará a ser como dantes: acabou o tempo!

A crise de valores que nos assola a todos e que coloca o foco nos aspetos meramente financeiros, desrespeitando a dignidade inerente à condição humana, está conduzir a situações crescentes de carência e dependência muito evidentes. Impressiona-me muito a forma como esta realidade é encarada. Em qualquer outra altura, onde imperasse a sanidade política e o primeiro objetivo fosse o bem-estar das populações, isso faria soar todas as campainhas e haveria uma resposta de emergência. Porque, de facto, o que interessa são as pessoas e o objetivo da política é a dignidade da pessoa humana e o bem público (comum).

O desencontro é bem evidente um pouco por toda a Europa. A ação política não tem uma agenda civilizacional e de desenvolvimento, mas é meramente circunstancial e regulada por interesses mesquinhos de curtíssimo prazo. Não tem objetivos de médio e longo prazo, não afirma a vontade de continuar a lutar pela liberdade concreta, pela igualdade e não coloca o foco na dignidade de vida das pessoas. Não se vê nos agentes políticos a vontade assumida de querer construir o país, a Europa e o mundo que se deseja: aliás, é até muito difícil perceber se eles desejam alguma coisa com dimensão civilizacional, tal é a inconsistência e ligeireza do discurso político. É tudo meramente financeiro, como se esses instrumentos que inventamos, mesmo sendo muito importantes, fossem o essencial e pudessem estar, em alguma circunstância, à frente das pessoas e do seu bem-estar.
Assistimos a atitudes de desrespeito pela dignidade de povos e países seculares, e ficamos indiferentes. Assistimos a atropelos à liberdade e à democracia, colocando o foco no desempenho financeiro, e ignoramos, pensando que estão a acontecer longe de nós e, portanto, nada nos afetam. Vemos a miséria social, agora bem perto de nós, já em nossa casa, com casos muito impressionantes de desespero levado ao limite, e não queremos acreditar como foi e é possível.

Fica no ar uma ideia de falência e impotência que é muito perigosa. É nestas alturas de desnorte e de menor clarividência que se perde a cabeça e se fazem coisas sem sentido, apresentadas como soluções de ultimo recurso, mas que depois percebemos que são enganos e levam gerações, muitas vidas e muitos sonhos a resolver. É nestas alturas que todos são avaliados da mesma forma, por atacado e sem o necessário discernimento. Acaba por ser inevitável, e é por isso que é muito perigoso. É a altura de falar, falar muito. E essa é a nossa melhor defesa. Esconder, ficar por meias-verdades e evitar o debate não é eficaz e vai conduzir a um beco-sem-saída.

2. Responsabilização: O Presidente da República disse isto no seu muito bom discurso do dia 5 de Outubro:
“A razão de ser de desconfianças e desilusões e descrença é outra. Tem a ver com o cansaço perante casos a mais de princípios vividos a menos. De cada vez que um responsável público se deslumbra com o poder, se acha o centro do mundo, se permite admitir dependências pessoais ou funcionais, se distancia dos governados, aparenta considerar-se eterno, alimenta clientelas, redes de influências de promoção social — económicas ou políticas –, de cada vez que isso acontece, é a democracia que sofre, é o 5 de Outubro que se empobrece ou esvazia”.
Tem toda a razão o Presidente da República, e é exatamente isso que está a acontecer de forma muito grave na Região Centro de Portugal. Os casos sucedem-se. Os escandalos (dignos de um filme de serie B muito rasca), que em nada dignificam quem exerce o poder nos vários organismos locais e regionais, são noticiados e imediatamente sobre eles se desenvolvem cortinas de fumo. A comunicação-social regional não faz perguntas, não investiga e, aparentemente, não quer saber. Os cidadãos mandam umas “bocas” nas redes sociais, mas rapidamente esquecem.
Não existe responsabilização. E tudo avança… para a tentativa de esquecimento. É pena porque a confiança nos organismos do Estado implica seriedade e exemplo. Fazer de conta, deixar andar e alinhar no encobrimento é ser conivente.
Observar tudo de Lisboa e ignorar é um sinal claro. E incompreensível. Na esfera dos princípios tudo isto é para mim inaceitável. Para a região isso é só a confirmação do lento mas constante caminho até à irrelevância. Não é uma sina. É a escolha da maioria das pessoas que, efetivamente, não quer saber. Não sabem, infelizmente, mas não há mudança sem responsabilidade e sem responsabilização. É tudo meramente circunstancial.
Lamento muito!

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