“Pensei o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora; e pensei o quanto é pior, talvez, ser trancado do lado de dentro”. Virginia Woolf ( 1882-1941 )
À primeira vista, os Britânicos trancaram-se do lado de dentro. Decidiram que o Reino Unido (RU) – Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales – deve sair da UE. Um erro incompreensível e de proporções épicas, com a agravante de o RU constituir a democracia parlamentar mais antiga do mundo, que sempre aspira à prudência e à prosperidade.
Porém, analisemos: foi uma maioria pouco significativa ( 51,9%, com uma diferença de pouco mais de um milhão, em cerca de 30 milhões que votaram); foi uma maioria essencialmente localizada fora dos grandes centros urbanos, com uma ausência significativa de jovens e uma prevalência do eleitorado mais velho; foi uma decisão emocional mais do que racional (a sós com o seu boletim, o medo falou mais alto).
Além disso, estes números não incluem os 2 milhões de “expatriados“ residentes na UE há mais de 15 anos; aqueles e aquelas, muitos, que podiam votar mas não se deslocaram ao RU para fazê-lo; até os milhões de súbditos de Sua Majestade espalhados pelo mundo – Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Índia, entre outros – que, mesmo não votando, teriam eventualmente algo a dizer, com propriedade; o RU sai deste referendo como depositário de uma realidade divergente, tendo em conta a vontade explícita da esmagadora maioria dos eleitores da Escócia, da Irlanda do Norte e dos residentes em Londres, que manifestaram querer permanecer na UE.
Em síntese, tranquilidade responsável, precisa-se! Evitemos, acima de tudo, cair na tentação do mal maior, que seria a UE ter a pretensão de trancar o RU “do lado de fora”.
Não vão contar com Portugal para tal. Já se viu que os mais altos representantes políticos atuais do Povo Português não vão, e muito bem, hostilizar o RU. O Presidente da República já se referiu oficialmente ao RU como “o país ao qual nos ligam sete séculos de história de uma aliança sem par” e ainda que “ao fim e ao cabo, o RU continua a ser, cultural e economicamente e em termos de paz e segurança, um país europeu”. António Costa, por sua vez, vincou que “temos com o RU a mais antiga aliança do mundo e prosseguirá muito para além daquilo que será a saída do RU da UE”.
Há ainda a questão da Língua. Tendo trabalhado, até há alguns meses, na Comissão Europeia, testemunho que a língua é um fenómeno sócio-cultural, cuja perenidade sobrevive a manifestações hostis e cuja adoção pode funcionar como argamassa para unificar e cimentar o relacionamento entre povos. Espero que não ousem marginalizar o inglês como língua franca, já que permite uma comunicação global, ou “a Língua não é nossa, a Língua também é nossa”como, sabiamente, refere Adriano Moreira.
A tão apregoada Cidadania Europeia tem que representar, sobretudo, afetos, amizade, isto é, afinidades identitárias e culturais, que, para os jovens como a minha filha mais velha que esteve um ano na Bélgica, ao abrigo do Programa ERASMUS – são naturais. Para esta geração os valores e ideais europeus são assumidos e os britânicos não perderam nada disso de um dia para o outro.
Concluindo, eu, se fosse governante portuguesa, colocar-me-ia à disposição dos britânicos para ser testemunha abonatória, uma vez que o irresponsável do Presidente da CE, o Luxemburguês Claude Juncker, diz que vai ser um “divórcio litigioso”.
Virgina Woolf, com a sua escrita e pensamento magistrais, estou certa que não hesitaria em afirmar que é preciso pensar bem antes que a UE, ela própria, fique trancada do lado de fora.
Será que este não foi o sinal de que muitos europeus não se revêem naquilo em que a UE tem vindo a tornar-se?