Opinião – Do estado de Guerra à guerra ao Estado

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Joaquim Amândio Santos

Joaquim Amândio Santos

Um centro de acolhimento de emigrantes não é um quartel inimigo.
A jugular de um idoso religioso nunca poderia ser considerada um alvo militar.
O ninho onde se acarinham pessoas com deficiência nada tem a ver com um cenário de guerra.
Uma rede social não deveria ser o instrumento de atração a uma armadilha mortal.
Uma estação de metro apinhada, um aeroporto em hora de ponta, uma avenida marginal em noite de festa, não seriam, num mundo normal, locais de carnificinas.
Nunca em tempo de paz. Nunca num tempo em que o direito e a defesa intransigente do respeito social, da igualdade na diferença de pensamento e da liberdade política e religiosa, marca a opção de quem lá vive.
Nunca na Europa.
Mas é no Velho Continente que, sucessivamente, o longo braço canalha do terrorismo, nas suas mais diferentes facetas e demandas, faz acontecer a sevícia mortal do atentados, trazendo a guerra ao coração da civilização ocidental.
Dos extremistas políticos internos aos extremistas religiosos islamitas, a sucessiva vaga de ataques demonstra à saciedade que estado de paz não é um rótulo aplicável à atual situação.
E enquanto os diferentes polos políticos europeus continuarem mergulhados no limbo do respeito pelos direitos humanos de quem faz tábua rasa dos mesmos, com medo de serem criticados por excessiva força, teremos uma Europa de cócoras aos que tudo estão a fazer para acabar com o nosso conceito civilizacional humanista.
Atacam discriminadamente europeus e migrantes que buscam pacificamente na Europa uma vida mais feliz.
Atacam em nome do que dizem ser Fé, provando todo o mal que os homens conseguem fazer, invocando inspiração divina. Buscam o paraíso, erguendo a morte e transformando a ida de todos nós num inferno.
Estamos em guerra. Queiramos ou não e será melhor que acordemos para esse facto antes que seja mesmo demasiado tarde.

Mas o estertor da nossa sociedade também resulta de falhas nossas.
Raramente volto ao mesmo tema, mas a ignomínia presente em todo o processo que descambou na morte da jovem Sara, vítima de um tumor cerebral, nunca diagnosticado em 11 visitas feitas ao hospital(!), atingiu agora foros de total falta de vergonha.
O Ministro da Saúde anunciou a 29 de junho que iria pedir à Inspeção Geral das Atividades em Saúde a abertura de uma investigação, a reboque das denúncias do caso na praça pública.
Agora, o IGAS informou o Parlamento que nem sequer chegou a abrir um inquérito, porque a sua “competência” para averiguar eventuais ilícitos disciplinares estava esgotada “por efeito de prescrição”. Esta resposta chegou com a pompa e circunstância oficial já nos idos de julho. A entidade supervisora afirma não ter competência legal para instaurar um inquérito de natureza disciplinar, uma vez que os “factos ocorreram há mais de um ano”.
Um ano. Uns míseros 365 dias colocados com letra pequenina num daqueles regulamentos cirurgicamente preparados para tornar hercúlea qualquer tentativa de clamar pela verdade e pela justiça junto do Estado, esse monstro sagrado.
Ao óbito de Sara junta-se agora a morte precoce dos processos, num lavar de mãos que envergonharia Pilatos.
Desconhecendo quem pretendem proteger ou o que querem fazer olvidar, os funcionários zelosos dos procedimentos burocráticos usam dos meandros da lei para evitar que se conheça a verdade e se faça um pouco de justiça.
Resta o Ministério Público e o processo-crime a decorrer. Estão aí as férias judiciais e só em setembro o lento braço da justiça retomará o andamento.
Ninguém lhe pede que corra.
Mas todos lhe pedimos que não meta o passo lento e tortuoso, típico de muitas outras “estórias” dos tribunais, a caminho do esquecimento e de mais uma prescrita culpa solteira.

Um mundo cada vez mais podre, por dentro, na justiça e mais barbaramente agredido, por fora, pelo fanatismo intolerante.
Eis a morte anunciada da civilização.

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