A maré está de jogo, mesmo que eu continue a não perceber a razão de ser o esférico o protagonista com menos tempo de antena.
É que por cada 90 minutos que a bola rola no relvado da TV empurrada para a frente pelos 22 que realmente interessam, os que não interessam ocupam infindáveis horas em dispensáveis perorâncias, os diretos sem assunto eternizam-se à porta do estádio, à porta do hotel, à porta de nenhures desde que o assunto seja “bola” mesmo que a bola mal apareça nas imagens.
Em todos os canais há comentadores barrigudos a falar de preparação física dos atletas, treinadores de sofá a debitar estratégia na direção de Fernando Santos, jogadores de casino a tirar e pôr jogadores a sério nos relvados da própria imaginação. Quase como no caso da Caixa Geral de Depósitos, mas menos perigosos.
Quem tenha ligado o Canal Parlamento na passada quinta-feira há de ter dado de caras com um personagem meio treinador, meio hooligan, a lançar no terreno de jogo uma estratégia de liquidar a “banca de todos nós”, uma espécie de anti Fernando Santos a apostar na derrota da Caixa, nunca no empate e ainda menos na vitória.
Claro que a estratégia até poderá seduzir a bancada: a comissão de inquérito a revelar lesionados nas administrações que ele próprio ajudou a nomear e promover; os ainda ontem adeptos a debandar, à vista da derrota que ele próprio preparou com metódico desvelo. Montenegro e seus pares na Assembleia da República não jogam – fazem batota.
A sua estratégia é a da desestabilização da Caixa, favorecendo os seus concorrentes privados e abrindo o caminho para a sua privatização total ou parcial. Nem que para isso tenham de sacrificar alguns dos seus peões (e os do CDS) que, nos últimos quatro anos, se abstiveram de tomar medidas para conter as necessidades de capital da CGD e detetar eventuais problemas na concessão de crédito. Tudo boa gente.
Quando Montenegro coloca no terreno da Caixa uma comissão de inquérito não é para dar dignidade ao jogo, é para meter golos na própria baliza. Montenegro treina para o adversário. De repente as regras pelas quais conduziu a defesa da banca privada – o equilíbrio do sistema financeiro e a confiança dos depositantes – passaram à condição de estorvo. Venha quem lhe grite da bancada um palavrão!
Nestes dias em que está em cima da mesa o fortalecimento da Caixa e a negação do papel de Tordesilhas que aquela desempenhou nos tempos nebulosos da “alternância”, torna-se clara a necessidade imperiosa do controlo público e democrático da Banca – também através da Assembleia da República.
E a urgência em definir para a Caixa uma estratégia adaptada às características da economia portuguesa, ao serviço do emprego, do desenvolvimento e do progresso. Para que a CGD possa vir a ser a equipa ganhadora de que tanto precisamos.
No fundo, tudo isto só é diferente do jogo no relvado do estádio porque o que está em causa não é a seleção de turno – é o Portugal de todos nós.
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