Com um Governo de esquerda no poder, liderado pelo PS, mas com o apoio do BE, do PCP e dos Verdes, estão em cima da mesa aquilo que muitos chamam temas fraturantes: a adoção gay, aborto, eutanásia, procriação medicamente assistida, barrigas de aluguer, legalização da prostituição, mudança de sexo, etc.
No entanto, um outro tema colocou o país a discutir o seu sistema de educação e o respetivo financiamento: os Contratos de Associação do Estado com Escolas do Ensino Particular e Cooperativo.
Surpreendentemente, os portugueses descobriram que se gastavam centenas de milhões de euros em apoios a escolas privadas e que existiam duas realidades muito distintas que, em vez de serem complementares, competiam entre si: uma rede pública de ensino e uma rede privada suportada, em grande parte, pelo orçamento de Estado.
O país dividiu-se e a educação passou assim de tema ignorado a tema fraturante.
Mais, ficaram a saber que cada turma de uma escola privada com contrato de associação era paga pelo Estado ao preço de 80.500 Euros.
Muitos dos colégios apoiados têm mais de 30 turmas ao abrigo desses contratos, pelo que estamos a falar de vários milhões de euros por ano: no OE2016 o valor total para contratos de associação atinge o valor de 139 milhões de euros.
O Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Educação, no auge do debate, veio esclarecer que a transferência de uma turma dessas do privado para o público conduziria a uma poupança de cerca de 26.500 Euros por turma.
A mesma informação já tinha sido dada ao país pela Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, numa excelente e esclarecedora entrevista à TVI. E os números começaram a aparecer mostrando uma realidade nada desprezável.
A rede pública de escolas perdeu, entre 2005 e 2014, 47% das suas instalações, vários milhares de alunos e também vários milhares de professores. Ajustou-se aos tempos, dirão alguns, que isso são consequências da demografia, acrescentarão outros, e o resultado de um esforço de redimensionamento para fazer face à realidade e às dificuldades porque passa o país.
No entanto, no mesmo período, a rede de ensino privado cresceu fortemente em instalações (+9,7%) e alunos (+6,2%). O número de alunos matriculados no sistema particular e cooperativo corresponde já a 24,1% dos alunos matriculados na rede pública.
Para além de tudo isto, o Estado apoia o Ensino Particular e Cooperativo com outros tipos de contratos, para além dos contratos de associação (apoiam 80 escolas num total de 45633 alunos), que no total abrangem cerca de 83.386 alunos (o que corresponde a cerca de 25,1% de todos os alunos do Ensino Privado).
Estou a falar de contratos de cooperação (apoiam 123 escolas num total de 1.401 alunos), contratos de patrocínio (apoiam 67 escolas num total de 6.782 alunos), contratos de desenvolvimento de apoio à família (apoiam 463 escolas num total de 7.390 alunos) e contratos simples de apoio à família (apoiam 372 escolas num total de 22.130 alunos).
O que é que está em causa?
Aparentemente, na Educação vivemos ao sabor de interesses e de fortíssimos grupos de pressão. Mas na verdade, o país descobriu uma realidade que desconhecia e, pasmado, deu-se conta que em 42 anos de democracia nunca debateu o que queria para a Educação.
Distrai-se agora com cortinas de fumo que tentam esconder a realidade: uns alegam todo o tipo de argumentos (muitos inaceitáveis e demagógicos, por nada terem a ver com o assunto em causa, atuando de forma a esconder a realidade) para defender contratos de associação mesmo quando eles não são necessários e, portanto, de acordo com a lei, deverem ser cancelados, outros não têm a abertura de espírito suficiente para perceber que num debate se deve entrar de mente aberta, colocando o foco no interesse nacional e reconhecendo que se há matéria que devia ser isenta ao dogma é a Educação.
Eu gostava de ter esse debate, com os números em cima da mesa, com a realidade tal como ela é, e ponderar em conjunto, de forma livre, pública e partilhada, o que deve ser feito.
No final, com consenso, as conclusões deveriam ser vertidas em forma de lei para que fossem cumpridas. Neste caso particular, a equipa ministerial está cheia de razão e vejo em muitos deles, na Secretária de Estado Alexandra Leitão em particular, a determinação, a inteligência e a capacidade de ver o essencial, o que não é nada comum.
Têm de cumprir a lei, têm de analisar, caso-a-caso, a validade e necessidade dos Contratos em vigor, e têm de tomar decisões relativamente à gestão do dinheiro dos contribuintes.
Também sei que muitos dos que se manifestam, colocados em barricadas distintas, não querem esse debate, não percebem que em democracia a informação séria e rigorosa é essencial para boas decisões, e também que a ponderação estratégica obriga a despir as vestes particulares, a circunstância pessoal, para ser capaz de olhar com clareza o horizonte.
Outros percebem, mas jogam na desinformação para atingir os seus objetivos.
Este é um tema importante, pelo que recomendo que preste atenção.