Opinião – Quando ser normal é tão especial !

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Paulo Júlio

Paulo Júlio

 

Normalmente nestes espaços públicos de opinião, quando se escreve sobre pessoas, estas normalmente são ou eram personalidades que se destacaram em cargos públicos ou se notabilizaram por outras actividades profissionais ou sociais. Tendencialmente não escrevemos sobre vidas mais normais, mas que podem ser bom exemplo e tónico de motivação para todos nós, independentemente do que façamos. Talvez assim, consigamos celebrar e homenagear a vida. A vida normal. A vida que deveria ser, provavelmente mais ocupada com a família, a tomar mais atenção ao próximo, a sorrir para quem passa ou com outro qualquer gesto especial e , quase sempre, ao alcance de qualquer um.
Esta semana, depois de cem anos de vida, faleceu um Homem assim. O Sr. Raul Francisco era o chamado homem normal, com excepção da sua longevidade, porque são raros os que completam um século de vida. Ainda por cima, uma vida agarrada com vontade, plena de alegria e ausente dos queixumes que a idade provavelmente lhe daria argumento. Mas, ele não era assim. Não se queixava. Em lugar disso, gostava de se rir, gostava de estar ocupado com as tarefas de pintura, gostava de viver cada dia com a sua querida companheira de uma vida, a quem gostava de tratar como se ainda tivessem a mesma paixão de há 60 anos. Era notável. Privei com eles algumas vezes e como sou observador desses pequenos pormenores da vida, achava admirável e, eu próprio, tomava aquela forma de estar como bom exemplo de inspiração. Além disso, o Senhor Raul – trato assim porque poderia ser qualquer um de nós – adorava a sua cidade de Coimbra. Adorava a Academia, os estudantes, vibrava com o fado e os seus olhos brilhavam com a juventude e a irreverência presentes em cada cortejo da queima das fitas, que, de forma assídua, assistia.
Foi um profissional dedicado nas empresas por onde passou, como qualquer um de nós deverá ser, mas teve, como a maioria das pessoas, uma profissão normal, nas oficinas de automóveis da Auto-Industrial e da Carvalho&Sobrinho. Depois de reformado, procurou sempre alguma tarefa para executar porque , no caso dele, Deus deu-lhe muitos anos de vida de reformado. Tinha três filhos, muitos netos e já alguns bisnetos. Também era o catalisador de uma família que nunca perdeu os bons hábitos de se juntar , nos momentos especiais da vida. E, mesmo que alguns pudessem pensar de outra forma, ele não deixava porque a família era o pilar da vida, segundo ele.
Na realidade, a vida cheia de uma pessoa com estas características, num mundo como o de hoje, poderia ser excepcional por causa da idade que tinha, uma vez que no resto, deveria ser uma existência normal, associada à satisfação e alegria de viver. Penso, nestes nossos novos tempos, em que a tendência é o afastamento dessa normalidade. A normalidade da família, de deixar um sorriso ao próximo, de dizer bom dia a um desconhecido, de se alegrar com as pequenas coisas da vida, como um dia cheio de sol, o céu azul, a árvore que dá frutos, enfim, alegrar-mo-nos com a alegria dos outros. Dito de outra forma, deveríamos ser mais optimistas, crermos mais em nós próprios, importar-mo-nos menos com os que outros têm e concentrarmos esforços no que poderemos ser. Por estas razões todas, tomei a liberdade de partilhar com os leitores, um texto normal sobre uma pessoa muito especial, mas que, normalmente, não teria direito a linhas de homenagem pública, nos nossos normais padrões sociais. Porventura, precisamos todos de refletir sobre isto. Por vezes, é mesmo necessário sermos normais e tomarmos mais atenção ao sentido verdadeiro de uma vida. Como fez, o Sr. Raul Francisco de Vasconcelos, durante os seus cem anos de existência. Fica aqui a minha singela homenagem pública a todos os que como ele têm esta capacidade de atravessar a vida, alegrando-se, simplesmente, porque podem olhar. Olhar o próximo, olhar a companheira ou companheiro, os filhos, os netos, o sol, o mar, o colega de profissão, os amigos, e mais tudo o que os rodeia. Tudo isso deveria ser normal, mas, cada vez mais, a tendência é a distração com outras prioridades e, muitas vezes, ancorarmos a razão, na desculpa de que não há tempo. Reflitamos e, provavelmente, seremos um pouco mais felizes, como ele foi, imagine-se, durante cem anos!

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