Opinião – Os novos retornados e a descida ao inferno

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Joaquim Amândio Santos

Joaquim Amândio Santos

Entre os meus grandes amigos, orgulho-me particularmente daqueles que já o são desde a minha tenra infância.

E, com a devida ressalva pela exposição a que o submeto, hoje o caminho da minha crónica começa no momento em que, dez anos depois, abracei o meu grande amigo Carlos.

Segui, desde aqui, ao longe, a sua extraordinária carreira profissional em Angola e a sua labuta académica que o transformou num licenciado em ciências sociais, ele que sempre foi douto na ciência do saber viver e do gosto pela cultura.

Foi um reencontro emocionado, próprio dos “irmãos de armas” a que, nem o longe, nem a distância, retira a mais ínfima parte da amizade plena.

Falamos de Angola. Era incontornável que assim fosse. Terra de fascínio, terra farta, terra que na última década se transformou, novamente, no El Dorado de centenas de milhares de portugueses que, com a pátria exangue de recursos e parca em empregos, rumaram novamente para África em busca do seu sustento.

Agora e desde o início de 2015, são aos milhares os que se viram forçados a regressar. Há quem fale em mais de 60 mil, não escudando a hipótese do número ser muito superior.

Regressaram para um país que os acolhe sem possibilidade real de os colocar no mercado de trabalho, pois a maioria tem profissões ligadas à construção civil, sem direito a qualquer apoio social, salvo exceções e, veja-se a gravidade do que as notícias não reportam, deixando lá a maior parte do dinheiro amealhado, por impossibilidade de o transferir.

Os mais afortunados (!) vão conseguindo retirar algum por via dos cartões de crédito, ainda ativos, enquanto outros vão tentando, à distância, arranjar forma no mercado negro de trazer dinheiro para cá.

Muitos passam já dificuldades extremas, socorrendo-se de amigos e família, fazendo lembrar o sucedido em 1975. Alguns, os mais bafejados pela sorte, passaram por Portugal a caminho de nova emigração, desta vez, na velha e segura Europa.

Ironicamente, as notícias só têm olhos para Isabel dos Santos e para os incontáveis milhões dos negócios sem fim, que vai fazendo e desfazendo em Portugal, vivendo à farta, tal como muitos outros nababos angolanos, enquanto o seu país definha moribundo.

Holofotes e preocupação política com a banca e com os negócios.
Legítima? Necessária? Sem dúvida.

Mas a bem do país, da coesão social, convém não escamotear que esse retorno maciço vai ter consequências graves para o país e deve ser rapidamente alvo de uma intervenção do Estado.

Estes cidadãos portugueses não são refugiados mas, tal como eles, merecem e têm direito a que o país, a que pertencem e ao qual já deram muita contribuição com as suas remessas financeiras, não os abandone!

E se, em vez de descermos o Atlântico, optarmos pela travessia até terras de Vera Cruz, deparamo-nos com uma mistura explosiva de capacidade insana, ambiente circense, irresponsabilidade acrescida e total ausência de escrúpulo ético, transformando a política e a gestão de um país numa gigantesca fraude, sem inocentes entre os protagonistas de uma realidade tão ridícula que ultrapassa a mais estrambólica das novelas.

Das merecidas cuspidelas num inefável defensor da tortura e da ditadura, à elegia de um marido impoluto que, logo após, é preso por corrupção, de ex-presidente nomeado à pressa para um cargo ministerial, às “virgens ofendidas” da oposição que protagonizam um derrube da Presidente, sendo eles próprios indiciados por crimes graves, o Brasil está a ferro e fogo e o outrora gigante dos BRIC, com uma economia que prometia vida farta a todos, está a regredir até ao nível de economia terceiro-mundista, com recursos esbanjados e a escassear, revelando a já esperada total “mexicanização” da economia, com os ricos a ficarem mais ricos e os pobres a tentarem sobreviver.

E tudo isto nos dá um arrepio pois, a exemplo do que aconteceu para terras angolanas, foram dezenas ou mesmo centenas de milhares de portugueses que, nesta década, emigraram para quase todos os pontos do território brasileiro. Pessoas, casais, famílias inteiras, em busca de uma vida melhor, protagonizando assim mais uma enorme vaga migratória, fazendo crescer a já gigante diáspora portuguesa no mundo.

Mesmo ressalvando que quer a estrutura social e política do Brasil, quer a sua economia, por mais frágeis que estejam, são mais democráticas, mais abrangentes, mais capazes de enfrentar e ultrapassar uma crise, não deixa de ser preocupante a possibilidade bem real de estramos prestes a assistir a um retorno mais ou menos massivo de portugueses a Portugal, juntando-se aos que de Angola já vieram e fazendo engrossar a lista de cidadãos em busca de emprego e dignas condições de vida.

Regressam ou poderão vir a regressar assim a um país que os forçou a partir.

O mesmo país que os recebe num silêncio cruel, enquanto grita a plenos pulmões mediáticos a importância das estórias cada vez mais lamacentas, exclusivas dos poderosos!

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