Opinião – O desafio das prisões

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José Manuel Pureza

José Manuel Pureza

 

As prisões são um desafio de primeiro grau para a democracia. Aqui e onde quer que seja. Mas a realidade do sistema prisional português mostra que a nossa democracia está a dar a pior resposta a esse desafio. As prisões portuguesas são espaços degradados até ao ultrajante, fruto de uma desqualificação e de um desinvestimento acumulados ao longo de muitos anos. Não, não me venham com a lengalenga ofensiva de que uma prisão não é um hotel de luxo – a democracia exige que à privação de liberdade não se somem penas não ditas e a sensatez manda que as prisões sejam espaços com possibilidades efetivas para que a formação humana e a ressocialização possam ser prioridades que passem do discurso para a ação.
Mas o problema principal não são os edifícios degradados. Longe disso. O problema é termos um sistema prisional encharcado de gente jovem, pobre e que cumpre penas sucessivas por pequena criminalidade. O problema é o de uma sobrelotação perpetuada por uma cedência fácil à ideologia pró-cárcere do populismo punitivo. O problema é o de uma cultura de encarceramento que tem como resultado um tempo médio de reclusão em Portugal ( 29 meses) que é mais que o triplo da média europeia ( 9 meses).
O problema é que, num sistema que se mantém assim, a violência silenciada é um traço do quotidiano de quem está preso. O problema é que temos uma população prisional de pobres por roubo por esticão ou por pequeno tráfico, ao mesmo tempo que a impunidade da grande criminalidade económica, com efeitos sociais devastadores, quase não é beliscada e tem até honras de amnistias taylor-made.
Atuar a montante da prisão, mudando uma cultura judiciária que despeja gente a esmo em celas e assumindo a qualificação do parque penitenciário como prioridade social e orçamental; atuar na prisão, erradicando a violência e a ilegalidade, garantindo cuidados de saúde e educação e conferindo prioridade à colocação das prisões no primeiro anel de ação de uma política de direitos humanos; e atuar a jusante da prisão, investindo a sério numa política de reinserção social não burocratizada e combatendo quem verdadeiramente mancha o Estado de Direito – eis as prioridades que a democracia não dispensa. O que temos hoje é o contrário disto. É por isso que este tem que ser um dos combates das nossas vidas.

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