Opinião – Lavandaria Panamá

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

Há um provérbio da Rússia moderna que diz que “quando o dinheiro fala, a verdade cala”. Não se esperava por isso que as campainhas soassem no Kremlin quando o caso Panama Papers começou a ser recentemente revelado. Embora o nome do presidente Vladimir Putin ainda não tenha aparecido em qualquer lista, segundo o The Guardian, alguns dos seus amigos próximos terão beneficiado de cerca de 1,5 mil milhões de euros em operações de enriquecimento ilícito. Como se sabe, na Rússia nada se faz sem o calculista patrocínio de Putin…
Mas este é só um fio da gigantesca teia que começou a ser descoberta pelo jornal alemão Süddeustche Zeitung. Este teve acesso aos mais de 11 milhões de documentos que cobrem quatro décadas de atividade de uma única sociedade de advogados, a Mossack Fonseca, com sede no Panamá, e partilhou-os com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma organização sem fins lucrativos sediada nos EUA, onde participam mais de cem órgãos de informação, de 76 países e conta com cerca de 370 jornalistas envolvidos na análise deste caso.
Entre os ficheiros secretos que piratas informáticos encontraram no sistema da Mossack Fonseca, consta a revelação da identidade dos verdadeiros titulares de contas bancárias, de um total de 214.488 sociedades criadas em offshores e com ligação a mais de duas centenas de países. Abriu-se uma caixa de pandora onde uma parte do mundo multimilionário estava escondida. Este é um enleio inescrutável de ligações surpreendentes, um submundo tão vasto e tentacular quanto oculto e labiríntico, feito para iludir, induzir enigmas, encobrir clientes e torná-los incógnitos, apagar os seus trilhos financeiros e desorientar quem tenta seguir no seu encalço.
O Panamá converteu-se há muito num paraíso fiscal – um entre muitos – e depressa atraiu a entrada de capitais estrangeiros, oferecendo tributações mais baixas que o país de origem. Acresce a isto que garante o anonimato dos proprietários desses capitais, facilita a abertura de novas empresas e não lhes exige contabilidade rigorosa. Os impostos que cobra são praticamente nulos e o sigilo bancário é de chumbo. As sociedades de advogados vendem caro o segredo do lucro fácil e pernicioso àqueles que têm dinheiro para pagar. Tudo é opaco, pois são as autoridades que encobrem estes esquemas.
Mas será ilegal ter o dinheiro numa offshore? Não é, desde que o dinheiro seja lícito e não tenha havido fuga ao fisco. A questão consiste em saber por que razão muitos depositantes impõem anonimato total e absoluto e que motivos sombrios os levam a esconder o seu dinheiro. Refiro-me a casos de corrupção, subornos, financiamento de atividades ilícitas, crimes aterradores contra pessoas, terrorismo, tráfico de armas e de droga, lavagem de dinheiro e muito mais. Esta é apenas a ponta do icebergue. Mas é preciso distinguir os que visam apenas o maior lucro e os que recorrem ao esquema para esconder intenções perversas.
Forças empresariais, políticas ou de idealismos camuflados que recorrem aos serviços da Mossack Fonseca estão a ser relacionadas com acontecimentos nocivos, como o fornecimento de combustível à força aérea síria, responsável pela morte de mais de 21 mil civis nos últimos anos, negócios de armamento, financiamento de grupos guerrilheiros, escravatura infantil e sexual, carteis de droga e corrupção desenfreada. O rol é extenso. Às tantas percebemos que muitos dos heróis da sociedade moderna estão na lista secreta. Desde jogadores de futebol e outros desportistas a realizadores e atores de cinema, a líderes políticos, presidentes e até membros da realeza.
O que nos conduz a uma dúvida latente: o rei da Arábia Saudita, tido como o fomentador do islamismo extremista, que tem uma das maiores fortunas mundiais e controla o petróleo e o gás natural da região, incluindo produtores do Qatar, do Kuweit e do Dubai, por que motivo tem necessidade de ter ainda mais, enquanto os habitantes do seu país vivem das migalhas deixadas no chão? A resposta surge em forma de suspeita: será para camuflar o circuito do dinheiro ilimitado que financia o terrorismo? Estima-se, de acordo com o relatório da Tax Justice Network publicado no final do ano passado, que existam entre 21 e 31 biliões de dólares de capital privado em paraísos fiscais.
O escândalo Panama Papers mostra-nos uma realidade crua: o mundo é dominado por offshores, nós só vivemos nele.

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