Opinião – De Coimbra à Europa à procura de uma vida melhor!

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Hélder Rodrigues

Hélder Rodrigues

Segunda Crónica dedicada aos milhares de recém-licenciados que todos os anos são lançados no mercado de trabalho, muitos deles obrigados a emigrar, a propósito da mensagem “sejamos bons profissionais, mas acima de tudo sejamos melhores pessoas”!

1. Não será isso que andamos todos à procura?
Tínhamos acabado o curso. Estávamos nos Anos 60. Era o tempo da “outra senhora”! Embarcámos na Estação Nova, à procura de uma vida melhor! Fosse lá o que isso fosse! O comboio, em bitola estreita, arrancou lento e vagaroso. Tal como Portugal na altura!

Até Vilar Formoso, atravessamos campos verdes, cultivados, parando ali e além, recolhendo emigrantes à procura do mesmo! Tristes, calados, cabisbaixos, sacola ao ombro, deixando para trás terra, familiares e amigos!

Em Espanha, entraram “nuestros hermanos”, com o mesmo destino mas alegres, esfusiantes, extrovertidos! Atravessamos, toda a noite, a solidão da vasta Espanha, ao som do seu flamenco, ritmado com gritos, palmas e olés! Ali ia uma amostra das gentes ibéricas, que tinham compartilhado, entre si, a Terra ao meio a partir de Tordesilhas.

De repente senti uma grande solidariedade, com aquelas centenas de emigrantes ibéricos, respeitando a sua diversidade mas unidos pelo mesmo desígnio. Íamos todos ao mesmo, cada um nas suas circunstâncias, à procura de uma vida melhor! Não será isso que andamos todos à procura?

2. Eles sabiam lá o que era comer numa tasquinha da Baixa?
Na manhã do dia seguinte chegamos França! Mudámos todos para um comboio de luxo , em via larga. Arrancou em velocidade estonteante! Era cá uma “gazua”!! Aquilo era outro Mundo! Ambiente em grande! Rico, elegante, cosmopolita, descontraído.

Miúdas lindas de morrer (estilo Bardot) e a dar “sorte” à malta , pais compenetrados a folhear o Fígaro, mães bem tratadas a ler Simone de Beauvoir! Parecia um filme do Jean Gabin, no Avenida numa soirée com lugares reservados para as elites de Coimbra, com a malta à porta! Não se ouvia uma mosca!

De repente, estridente uma sineta tocou. Levantámo-nos em sobressalto! Não era para nós… era para o almoço! Levantaram-se os franceses, com a carteira recheada. Concerteza iam comer Vichysoisse (como o outro).

Nós, com oitenta paus no bolso, deixamo-los ir! Abrimos a mala, tiramos um pão com chouriço e comemos com apetite, como se fosse na Cantina da Universidade! A gente nem gostava de Vichysoisse!

Eles sabiam lá o que era comer numa tasquinha da Baixa, com muitos amigos à volta, um prego com molho, ovo estrelado em cima, cheio de batatas fritas e pão para limpar o prato, uma cerveja de Coimbra!!!

3. Já tínhamos aprendido mais da vida em dois dias…
Entrámos em terras da Bélgica ao fim da tarde. Os emigrantes tinham saído todos em França. Na vez deles tinham entrado gajos bem vestidos, senhoras de alta roda com colares de pérolas, intelectuais de direita (os de esquerda tinham perdido o comboio). Parecia a Ferreira Borges, com o comercio cheio, a malta em desfile num sábado à tarde!

Finalmente, já passava da meia noite, o comboio entrou imponente na Estação de Bruxelas! Restavam cinquenta paus no bolso, mas muita esperança no futuro!

Já tínhamos aprendido mais da vida, em dois dias, do que num ano inteiro, nas aulas de Matemática do Esparteiro!

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