Este meu encontro cronista com as palavras dá-se ao mesmo tempo em que 230 deputados, membros do governo, jornalistas, manifestantes militantes e populares incautos em visitas lúdicas ou de estudo às galerias, se entretêm a tentar dirimir o argumentário apresentado por cada fação, durante a apresentação, discussão e votação do já famoso Orçamento de Estado 2016.
Vamos assistir, como sempre, ao rol de acusações mútuas, com os que estão no poder a atirar culpas para os que lá estiveram e estes a ripostar com o tradicional alerta para o caos que agora vem aí.
Não aprendem. Não querem aprender. Não lhes interessa nada aprender e, perdoem-me a ousadia da expressão, estão-se realmente nas tintas para a inócua e triste demagogia que preside ao seu discurso político e à sua atuação política.
No fundo, apenas ficarão preocupados com a boa figura que possam ter nos diretos televisivos, não esquecendo o entusiasmo com que, quais super-heróis da República, sairão esbaforidos do parlamento para, numa cabine qualquer, mudarem de farda e envergarem o uniforme de comentadores dos canais televisivos informativos onde, hora após hora, encherão a noite dos seus doutos comentários proferidos sobre a sua própria atuação no hemiciclo, falando para o umbigo, sem muita preocupação com o comum mortal.
E sejamos sinceros. Já alguém acredita nesse pedaço de Excel a que chamam pomposamente orçamento?
Cada vez mais, o documento parece que é construído com a inserção de números que vão sendo postos de forma a, no final, bater tudo certo com aquilo que é esperado, mesmo que estejam completamente feridos de imprecisões, para já não termos a ousadia de dizer que estão erguidos em assumidas engenharias financeiras destinadas a esconder a realidade.
Ano após ano, a falsidade das contas, as trocas e baldrocas que as mesmas têm ostentado, transformaram aquele que deveria ser o principal documento das finanças públicas numa falácia sem pudor, destinado a permitir ao regime que se eternize, mesmo que rodem as diferentes forças partidárias pelas cadeiras do poder e da oposição.
Dois exemplos.
Com que cara a agora deputada Maria Luís Albuquerque conseguirá discursar, depois de toda a trapalhada com a devolução da sobretaxa do IRS que, antes das eleições, ameaçava dar um bónus aos portugueses tão grande que estávamos já todos de armas e bagagens para umas fartas férias nos trópicos e que, depois das eleições, se esfumou em alguma coluna malandra do tal Excel, este de 2015?
Por outro lado, a também deputada Mariana Mortágua, agora transformada numa porta-voz da douta ciência que ergueu este orçamento de 2016 e o transforma possivelmente no mais imaculado e paradisíaco documento desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, renega toda a sua essência radical e vitupera contra os que alertam para a brutal subida da carga fiscal que o orçamento contém.
Pois. Os combustíveis não são usados pelas famílias e pelas empresas e a energia não é um bem primário para toda a sociedade. Vai daí e ainda vou ter de acreditar que a mana Mariana das Mortágua acredita que os veículos se movem a vento e todos nós passamos a fazer uma fogueira em casa para fazer a sopa!
Como é óbvio, as posições já de si afastadas, vão ainda ficar mais estremadas quando a discussão passar para as redes sociais ou para os comentários de anónimos nos jornais nacionais, numa escalada de utilização do vernáculo que, comentário após comentário, irá conseguir envergonhar o mais atrevido dos papagaios ensinados a cantar palavrões!
E, embargando qualquer direito de antena à razão, será a emoção típica da discussão futeboleira a assumir foros de primazia no debate, continuando este país, político e real, a gastar energias e tempo com a superficialidade e o acessório, continuando a varrer para debaixo do tapete o essencial do que urge fazer para melhorar a vida do país e dos portugueses.
É o que temos, ou será simplesmente o que merecemos?
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