Opinião – Netos

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J. PEDROSO DE LIMA

De alguma maneira, esta reunião de amigos do tempo do liceu, todos acima dos oitenta, foi para mim, um acontecimento muito inspirador. Estávamos reunidos num hotel, no Bussaco, num dia que se tornou de tempestade. Bem jantados, estávamos em frente de uma imensa lareira que emanava um calor misturado com prazer, como só nos velhos sistemas se consegue.
Não sei se foi na continuação do tema da conversa das esposas, quase certo que foi, os netos passaram a dominar o discurso.
Pensei que os presentes, todos bem-sucedidos na profissão, posso dizer, com vidas familiares normais, pelo menos agora, constituiam uma amostra interessante para avaliar sentimentos avós-netos. Veio mesmo a propósito que, uma das esposas, com inclinações literárias, tenha pedido que os circunstantes definissem, numa frase, os netos, na perspetiva dos avós. Não sobre os próprios netos, mas sobre os netos no geral. Era seu costume propor este tipo de desafios que, em regra, geravam momentos alegres. Eis as definições que consegui reter:

– Flores da Primavera, plantadas no Inverno da nossa carne.
– Seres probabilísticos onde a única certeza é a nossa baba.
– Filhos ao quadrado… com muito mais “lados”, para muitos de nós.
– Anjinhos endiabrados, pioneiros do envelhecimento ativo.
– Amigos intimos e desencaminhadores do nosso reumatimo.
– Impostos pagos à nossa continuidade.
– Agentes especializados em estimular a nossa permissividade, sem darmos por isso.

Já se previa que, após este atividade, os mais latinos começassem a relatar os superiores feitos dos seus netos, os melhores, de certeza, à superfície da terra. Assim foi, A dama A contou a história em pormenor do seu neto, engenheiro informático, segundo ela, considerado o mais criativo da firma onde trabalhava; o senhor B falou da neta bailarina na Opera de Paris, uma promessa; o Senhor C referiu que a unica coisa que atenuava a dor das suas artroses eram os relatos do seu neto, jogador de andebol. Muitas outras estórias se seguiram. Não falei sobre os meus netos pois me pareceu serem já aventuras a mais. Para me vingar, resolvi fazer uma nova proposta: – Descreverem, numa frase, aquilo que pensavam que os avós são, na perspetiva dos netos. Eis o que veio:

¬- Velhadas obrigatórios, excelentes quando não estão a dar conselhos bué estúpidos.
– Importantíssimos, sobretudo nas épocas festivas.
– Gosto deles apesar de os achar pegajosos.
– Para a minha avó terei de comer um boi a cada refeição para ser perfeita, para o meu avô tenho que ser a Einsteina. Chiça, deixem-me ser normal!
– Gajos do caraças, para a idade.
– Acho que lhes damos muito pouco para o que eles merecem.
– Acho que tiveram um papel importante, para eu estar aqui.
Pareceu-me que algumas destas respostas foram, um tanto ou quanto, a despachar, mas não era para estranhar pois, a noite já ia avançada e começava a haver indícios de vontades de debandar. Foi então que a esposa de um dos presentes pediu para falar.
– Deve falar claro!, dissemos em uníssono e ela começou: – tivemos a horrível experiência, eu e o meu marido, de perder uma netinha de quatro anos, há uns meses atrás. Só vos quero dizer que para isso não há frases que descrevam…

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