Opinião – Como a cultura nos pode tirar da crise

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

De quem é a cultura e quem determina que expressões se inserem na dita cultura culta? Julgo ser próprio de quem tem parcos horizontes, poupados e frugais, achar que a sua cultura é aquela que se deve impor às sociedades, tratando todas as outras formas como banalidades insignificantes. Eles talvez não saibam que a cultura não tem padrão, é lata e desconforme. Nem devem saber que a cultura é a luz que incide sobre alguma coisa e nunca a sombra que se acomete por entre os ermos da ausência. É o diálogo que interpela e dá sentido, que não impõe nem ofusca; antes gera desafios e nos intima a aprofundarmos a nossa condição, que nos acorda da letargia e nos mostra caminhos para lá das veredas do conformismo.
Imagino se não tivéssemos acolhido as audácias de gente tão desassossegada em diversas expressões culturais e ao longo de diferentes tempos, como a pintura de Munch, a fotografia de Cartier-Bresson, a poesia de Herberto Helder, as óperas de Puccini ou a sonoridade de Callas, os enredos de Woody Allen, o suspense de Hitchcock, a arquitetura de Siza, o bailado de Pavlova, o Rap de Eminem, o design de Cayatte, as transfigurações de Bowie, a representação plástica de Joana Vasconcelos, a arte urbana de Artur Bordalo, e tantos tantos outros. Veja-se que mesmo os movimentos de “contracultura”, mobilizados na contemporaneidade pelas gerações mais novas, têm uma forma de expressão e de manifestação que recorrem a um discurso comunicativo distinto daquele a que estávamos habituados. Rejeitá-los, por não se integrarem na norma culta, seria, por si só, um elitismo inculto. E merecedor de debate.
Desde que as mulheres e os homens colocaram no centro da sua construção individual e coletiva a educação, almejaram que fosse mais igualitária a aquisição de conhecimento. Augurámos condições de dignidade para o reconhecimento dos cidadãos enquanto indivíduos pensantes, capazes de interpretar e de gerar valor intelectual. O tempo da Humanidade é, pois, o tempo cultural, o aqui e o agora, com a faculdade de gerar no retrovisor da memória toda a sua história, recorrendo à verdade a partir do mundo das ideias e do pensamento, valorizando-a e tirando partido dela. Por isso, são bons ventos os que sopram do novo Ministério da Cultura, com o patrocínio à emergência de ex-libris da região centro, como Conímbriga, Lorvão e o Buçaco. Para que a memória não se perca. E para que a atração cultural seja um fator de competitividade dos nossos municípios. Como enfatizou Eduardo Lourenço, se a Humanidade tem uma essência qualquer, é justamente ter memória de si mesma.
A perspetiva de combatermos as dificuldades globais observando de que forma já vencemos grandes desafios enquanto povo, valorizando a nossa história e a nossa identidade, revela uma nova abordagem que nos pode tirar da crise. Sem cultura estaríamos submetidos ao tédio e ao enjoo, incapazes de discernir os nossos próprios sonhos e utopias. Incapazes de distinguir a realidade. Estaríamos defronte de uma porta, sem saber o que fazer.

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