Opinião – Conto de Natal

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Manuel Rocha

Manuel Rocha

Não creio que seja necessário chegarmos ao patamar da oração. Hão-de bastar uns quantos votos para que nos livremos de vez de presidentes cujo conselho seja o de termos de “ter muito cuidado nas nossas decisões para não afugentar os investidores externos”.

Nestas declarações do ainda-e-quase-no-fim-felizmente Presidente da República descortina-se uma, mesmo que enviesada, inspiração natalícia. Ora vejam: Portugal, tão pobrezinho, está deitado na manjedoura do estábulo europeu à espera das benesses dos magos investidores (a vaquinha mal respira, escaldada com o fim das quotas leiteiras, na esperança de que um dos alforges solte a migalhinha que lhe possa salvar a imerecida existência).

Indiferente à multidão de pastores, camponeses, artesãos, músicos, gente comum, Cavaco abre caminho aos Reis Magos, gritando que deles é que estamos precisados, “porque se não tivermos investimento externo, então temos de pedir emprestado muito mais e isso cria-nos dificuldades, ou então o investimento acaba por não subir aquilo que é necessário e o nível de vida das pessoas não melhora”, pois claro.

Em suma: no chão desta palestina ibérica Cavaco não descortina terra para lavrar, nem mar para pescar, nem inteligência para criar, nem mãos para transformar. Para este Cavaco da nossa desventura Portugal é só pó e solidão, lugar onde, assim mesmo, as escrituras constitucionais são afugentadoras dos “investidores externos”, ávidos de braços diligentes e abundante maná.

Entretanto, a gritaria fará o seu caminho, procurando triturar os 62% de votantes tele-espectadores de que falam as sondagens do candidato prime time. Que seja dito, por isso mesmo, estar escrito na memória dos nossos dias que os Cavacos nunca desaparecem de todo, mesmo que se recolham às boliqueimes que deles algum dia se livraram. Os Cavacos, eles mesmos herdeiros de mais recuados Marcelos, deixam sempre uma semente, porventura melhorada em aspecto e patuá, necessariamente mais habilidosa na selecção da prateleira em que o eleitor-consumidor a possa ver, e comprar.

Percebe-se que alguns dos 38% que acreditaram no slogan “Portugal está melhor”, antes do Banif e da não-devolução da sobretaxa, procurem agora vingar a vitória que nunca existiu. Mas que os restantes 24% percebam que este Marcelo Rebelo de Sousa é o receptor do testemunho da estafeta da austeridade, do Portugal desempregado, emigrado, desesperançado. Um quase-Cavaco, afinal, embora mais ajeitado.

Voltando à história de há pouco: os tais Reis Magos e suas riquezas não evitaram que o tal moço da manjedoura – como quem diz este País – crescesse pobre e pobre se levantasse, dando a herdar sementes, também. Talvez tenha sido na partilha de Escrituras que dessas sementes dão notícia, que um Edgar de quem sou amigo se fez defensor da Constituição da República Portuguesa. Neste tempo de procurar as palavras todas é, de novo, urgente abrir todas as portas.

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