“Eu não cheguei à política ontem”, disse por mais de uma vez António Costa na semana passada ao ser entrevistado na RTP por Vítor Gonçalves. Não chegou ontem, mas não quer falar do passado, excepto quando lhe convém. À semelhança do seu actual líder, o partido socialista também tem uma memória selectiva. Fala do passado se for para erguer a bandeira do 25 de Abril. Do passado recente, nem uma palavra. Uns dizem que é por causa da consciência pesada. Alguns socialistas, sempre mais do que seria expectável numa democracia pluralista, insurgem-se contra as perguntas dos jornalistas. A atitude de António Costa na dita entrevista não foi bonita de se ver. É de desconfiar.
Contudo, verdade seja dita: nestes últimos 4 anos, não há praticamente nada que não tenha sido dito sobre o governo,
líderes partidários e políticos da maioria em geral. Tudo foi dito em liberdade, pois em momento algum se noticiou ou ouviu dizer que tenha existido condicionamento da informação.
O ar está respirável, o corpo tem poros para destilar. Que o digam Ascenso Simões que acusa a RTP de fazer
opções partidárias por causa do “Prós e Contras” da passada segunda-feira. Ou João Galamba, candidato-fantasma aqui
por Coimbra, que, pelos mesmos motivos, reclama pela demissão do director de informação da RTP, Paulo Dentinho. O
mesmo se diga de José Lello, Isabel Moreira ou Edite Estrela, entre outros. Todos falam em liberdade, mas parece ser-lhes difícil coexistir com a liberdade dos outros, desde logo com a liberdade de imprensa.
Sucede que nenhum deles chegou à política ontem. Pelo que nenhum deles pode dizer que não se lembra do que aconteceu no tempo de Sócrates. Quem tem memória, sabe bem que no caso de censura do Jornal de 6ª, da TVI, a ERC deu por demonstrado que, na decisão de suspender esse Jornal, a Administração da TVI foi significativamente influenciada pelos Administradores da Media Capital, especialmente os que aí representavam o grupo Prisa. E, se calhar, também se deviam recordar de António José Saraiva ter dito que, nas vésperas de o semanário Sol divulgar uma reportagem do caso Freeport, ter havido um telefonema a avisar que, se a referida reportagem não fosse publicada, teria os seus problemas financeiros com o BCP resolvidos. Caso a
reportagem fosse dada à estampa, então o semanário não sobreviveria. Onde estava António Costa, aquele que não
chegou à política ontem e que foi o n.º 2 de Sócrates no XVII Governo Constitucional?
E que dizia ele em 2011, quando o défice acumulado no SNS era de 770 milhões de euros, o défice da conta do SNS cifrava-se em 563 milhões de euros, o prejuízo dos hospitais EPE era de 207 milhões de euros, a dívida acumulada total do SNS era de 3.249 milhões de euros, sendo que só de dívida vencida eram 2.418 milhões de euros, dos quais 1.831 milhões de euros de pagamentos em atraso? António Costa, que não chegou ontem à política, segundo o próprio diz, vai refugiar-se no seu papel de autarca e o candidato António Costa vai provavelmente lembrar-nos que o seu mandatário nacional é o pai do SNS. Esquece-se sempre é de dizer que foi este governo que evitou o colapso do SNS, iminente em 2011, e foi esta maioria que se quer renovada que permitiu que todos nós pudéssemos, no dia de ontem, celebrar o 36.º aniversário do nosso (e não de alguns) SNS.