Lendas, narrativas e mitos fazem e sempre fizeram parte das nossas vidas. E continuarão fazendo. Há frases, poemas e outros textos que a memória fixa como sendo reais ou erradamente de determinada autoria por um qualquer engano.
A memória recente dos portugueses está pejada de dores e sacrifícios. Talvez por isso ferida na sua capacidade de isenção e veracidade. Certo é que os portugueses jurariam a pés juntos que Passos Coelho incentivou a emigração dos mais jovens.
Porém, Passos Coelho escolheu o cenário de um Portugal para pequenitos para desmentir tal crença tão profundamente enraizada quanto errada, segundo o próprio. “Há uns quantos mitos urbanos, um deles é de que eu incentivei os jovens a emigrar.” E lançou o repto.
“Eu desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesses sentido.” Horas não era decorridas e já a SIC transmitia imagens de uma entrevista ao primeiro-ministro em 2011 onde este se dirigia aos professores desempregados: “podem olhar para todo o mundo de Língua Portuguesa e encontrarão aí alternativas…”.
Diga-se o que se disser, é um facto que os mitos urbanos proliferam e multiplicam-se. José de quarenta anos, desempregado de longa duração, com a sua companheira de 38 e dois filhos pequenos, vivem daquela esmola com o nome de RSI, Rendimento Social de Inserção. O rendimento insere-os directamente na pobreza profunda e na fome diária. Mito? Urbano é!
Júlia terá pouco mais de trinta anos, já experimentou todas as drogas, está limpa há mais de quatro anos, diz-me com alegria de vencedora, mas tem de comer, pagar o quartito de 150 euros e sobretudo não desiste de mandar algum dinheirito à mãe que cuida da sua filha de sete anos.
Já trabalhou nuns cafés e em limpezas, mas agora não há trabalho, faz uns servicinhos, o senhor percebe…, como lhe custou da primeira vez…, mas a tudo nos habituamos, o que queria mesmo era uma casita que pudesse pagar e viver com a filha que nem sonha o que passou e a desgraçada vida que leva. Pensa a miúda que ela trabalha na cozinha de um restaurante. As lágrimas caem-lhe dos olhos bonitos pelo rosto jovem. Mito, outro mito. Urbano é!
António e Lurdes já dobraram os setenta. Vivem das reformazitas. Não dá para nada! Vai chegando para uma sopita e pouco mais. Felizmente que a renda da Câmara é baixita, mas se agora se aplica essa lei das rendas que o Passos Coelho fez não sabemos como vai ser – confessa António, enquanto esfrega a cara triste com as mãos calejadas. “Que se há-de fazer…”, sentencia Lurdes. Outro mito! Urbano é!
Sabe lá o senhor a fome que passamos! Carolina, sessenta e muitos anos, uma colectânea de doenças, mãe e avó, chefe de família de seis pessoas. Para os pequenitos vai havendo mais qualquer coisita. Nunca imaginei que voltaria a passar o que passei em catraia, depois de uma vida de trabalho e de tanta luta…Mito? Urbano. Também é.
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