Os últimos documentos publicados sobre a saúde em Portugal vieram levantar várias perplexidades. Falarei de duas.
Uma delas tem a ver com a redução consistente de consultas nos Cuidados de Saúde Primários (CSP).
Diz o Relatório de Primavera do Observatório Português de Saúde que se tem registado “uma diminuição constante do número de consultas nos CSP desde 2008” e que, em Portugal, “o número de consultas médicas per capita e por ano é muito inferior à média da OCDE”. Em contrapartida, o número de consultas externas realizadas em hospitais públicos, “tem aumentado consistentemente”.
Aliás, o Ministério da Saúde, quando fala de melhorias, refere exactamente o crescimento do número de consultas hospitalares, incluindo as primeiras consultas, a par de um aumento consistente da procura de serviços de urgência.
Face a este cenário, temos mesmo uma grave “doença da saúde” que já não se resolve com mezinhas!
Uma das causas maiores resulta do retardamento introduzido, pelo actual Governo, na mudança de paradigma iniciada em 2005 – um paradigma que assenta na centralidade dos Cuidados de Saúde Primários e do Médico de Família, através da criação de Unidades de Saúde Familiares (USFs). A falta de entusiasmo tem consequências graves para os portugueses, como seja o facto de continuarmos com mais de um milhão de cidadãos sem Médico de Família ( 13% nas contas do Governo).
Com o orçamento da saúde em queda e sem aumento dos cuidados de saúde de proximidade, não se estranhe a busca de cuidados nas urgências (sempre abertas) e nas consultas hospitalares.
Se temos menos para gastar, deveríamos gastar melhor o que temos! O que não é o caso.
Quanto a camas de internamento, o panorama não é melhor. Um número elevado de doentes continua a permanecer longos períodos de tempo nos hospitais, quando deveria ser seguido na Rede de Cuidados Continuados, com particular relevo para os Cuidados Domiciliários.
Há, notoriamente, falta de camas de cuidados continuados. E, também aqui, não foram cumpridas as promessas de crescimento feitas pelo Governo. Mas, tenha-se presente que não será viável, nem muito menos desejável, que a grande maioria das necessidades de camas para cuidados continuados seja resolvida com camas institucionais.
Genericamente, as pessoas dependentes e que necessitem de permanecer acamadas sentir-se-ão melhor em sua casa do que em ambiente estranho e, quantas vezes, severamente agressivo. Com uma exigência: que seja assegurado um seguimento adequado, nas suas diversas vertentes – médica, de enfermagem e de apoio, neste último aspecto com a valorização dos cuidadores informais, familiares ou outros.
As camas de cuidados continuados, em particular na sua vertente domiciliária, custam menos e servem melhor as necessidades dos doentes.
Também aqui é necessário outro fôlego!