Opinião: O Crisma e os morcegos

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Antonio Jose Monteiro

Sugeria um Monsenhor experiente a um padre recém ordenado, preocupado com a invasão de morcegos no telhado da igreja : “crisma-os que eles desaparecem todos!”
Esta anedota infelizmente tem algum fundo de verdade, sobretudo nas paróquias urbanas deste nosso Portugal, onde, não havendo escuteiros ou um movimento enraizado, os adolescentes crismados aos 15 anos após 10 anos de catequese “morcegam” ou seja desaparecem.
Muitas vezes, a catequese foi dada por quem está disponível, mesmo que não entenda e fale a linguagem de miúdos com a cabeça cheia de videojogos e anime, melhores conhecedores das tradições espirituais japonesas ou americanas do que das suas raízes ocidentais judaico cristãs. E quando as linguagens são diferentes a comunicação não se estabelece e pouco fica.
Somos lestos a culpar os pais, muitos deles que também já passaram pelo mesmo processo, por não levarem os miúdos à missa ou não lhes transmitirem a fé que muitos desses próprios pais foram perdendo ou esquecendo enquanto corriam entre o trabalho e o levar os filhos às actividades (balett, rugby, inglês, conservatório, explicações a três cadeiras) que, esperam, os preparem melhor para procurarem um emprego emigrados na Inglaterra ou Suíça.
Esgotados os pais, separados muitas vezes porque um emigrou ou o amor acabou… e os filhos, no meio destas actividades, pressões e correrias, esgotados, a descansar no telemóvel, twitando banalidades, fones nos ouvidos.
Nem sempre temos a noção nas nossas comunidades de que isto de andar na catequese é no fundo para muitos mais um ritual social alimentado de festas – “o meu Anselmo já fez as festas todas, porque é que não pode fazer já o crisma?”, perguntava uma mãe ansiosa outro dia aqui na paróquia – do que um programa pensado para proporcionar verdadeiras experiências de encontro com o Jesus Cristo Ressuscitado que nos dá Esperança e Vida Eterna.
Umas reuniões em que miúdos ausentes bocejam enquanto esforçados catequistas lhes tentam explicar os sete sacramentos e os dez mandamentos, uma festa bonita e já está: Crescem as asinhas peludas e “morcegam” todos daqui para fora. Alguns, cada vez menos, voltarão para casar, baptizar os filhos, mais duas festas bonitas, ser padrinho (ainda bem que fiz o crisma se não tivesse feito não podia), poucos trarão os filhos à catequese (este ano não tem horário), raramente virão à missa, nem nos funerais entram na capela para acompanhar o falecido. E nós, os que ainda por aqui andamos, jovens nos nossos 50 anos, nostálgicos das missas pop dos anos 70 e dos acampamentos fingimos que está tudo bem quando juntamos trezentos jovens num grande encontro diocesano, levamos 50 a Taizé ou umas centenas a umas Jornadas Mundiais da Juventude…
Numa conversa há umas semanas com o Cardeal Patriarca, ele dizia-me que sem experiências concretas de Deus, tudo o resto de pouco vale.
É isto que tentamos fazer aqui em S. José com a rapaziada que quer fazer o crisma: Um pouco de maturidade primeiro, ter 16 anos, andar no secundário, ter começado a estudar filosofia, estar a aprender a pensar. Depois propor-lhes mais do que “aulas de catequese”. Tentar que a hora e meia semanal em que se juntam seja o melhor momento da semana deles, em que podem falar dos seus sentimentos, da sua procura, das suas dúvidas. Mas o mais importante para nós é desafia-los a outros tempos de encontro, de oração, de descoberta daqueles a quem seguir Jesus dá um sentido à vida.
E se sentirem que, se são uma minoria na escola ou no grupo de amigos, ainda há muitos mais neste caminho, ganharão ânimo. Preparar um jovem para o crisma é sobretudo dizer-lhe que há escolhas na vida que só ele pode fazer, livremente, se para ele fizer sentido seguir Jesus e viver em comunidade esse percurso, deve assumí-lo. E, aos poucos, já há alguns a quem as asas de morcego não crescem.
Finalmente, queria deixar aqui uma reflexão: Numa cidade como a nossa, em que a relação com as paróquias é cada vez mais pessoal que geográfica, e em que há realidades tão diferentes mas necessidades tão comuns, não faria sentido começarmos a reflectir num paradigma novo, em que a necessidade de criação de laços com as paróquias se fosse articulada com actividades e projectos comuns?
E porque não fazer uma aposta estratégica para abrir espaços de participação dos jovens nas paróquias, numa catequese que fosse mais vivencial que escolar, em projectos sociais desenhados para que possam envolver também jovens que não fizeram (ainda) o seu percurso cristão, em projectos culturais e associativos que atraiam jovens que passaram ao lado da catequese e os afastem dos contextos de consumos, alienação e violência em que os vemos mergulhar?
E criarmos Centros Juvenis Paroquiais abertos para o encontro e o acolhimento, onde várias propostas e movimentos tenham expressão? E porque não utilizar propostas (como nós fazemos com as peregrinações a Taizé) que levem jovens que não entravam numa igreja desde o dia da primeira comunhão a voltar, nem que seja aos poucos?
No mínimo termos um fórum interparoquial onde nós, os que trabalhamos com estes escalões etários possamos pensar em conjunto , partilhar dificuldades e ideias. E assumirmos que isto é uma missão de leigos, que os poucos Padres que teremos daqui a a 15, 20 anos não chegarão a tudo.
Uma certeza, a de que não caminhamos sozinhos, que Ele está ao nosso lado, a dar-nos força, imaginação e esperança. Se estivermos atentos, abertos, disponíveis…

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