Opinião – Meteorologia Política

Posted by
Spread the love
Francisco Queirós

Francisco Queirós

“Dão casas a quem não precisa, gente com dinheiro!” Como assim? “Então ainda agora deram uma casa a uma família em que o homem até trabalha e recebe o salário mínimo…” “Tanta gente a precisar e vocês ajudam esses malandros que vivem à nossa conta, com isso do RSI, ou lá o que é. Se fossem trabalhar, não iam pedir casas à Câmara!”.

Trabalhar onde? “Que emigrem…trabalho não falta…são é uns malandros…” Está portanto de acordo com o senhor primeiro-ministro…” Não! Que ideia. Esse é outro que tal, Esse e todos os outros. Os políticos são todos iguais. Deviam acabar com isso!” Acabar com a política?

“Ora isso mesmo. Só querem é governar-se.” Talvez se pudesse fazer uma lei para proibir a política. E as pessoas então votavam a lei e depois escolhiam os seus representantes que seriam contra a política. E como teriam opiniões diversas talvez se pudessem criar grupos ou partidos não-políticos que defendiam propostas e posições não-políticas para o governo da cidade que por acaso em grego se chama polis, de onde provem a palavra política.

“Não me venha com confusões… E essas coisas da Grécia. E com essas coisas cultas. Aliás, isso da cultura só serve para confundir mais as pessoas.” Acha então que era melhor que todos fossem ignorantes? Não é o primeiro a pensar assim… Olhe, o Salazar…

“Ora agora é que disse tudo. Esse sim! Não havia cá politiquices!” Havia uma sardinha para vários. Caixões de pinho que chegavam das colónias, enquanto outros regressavam sem pernas ou sem olhos. Havia paredes que escutavam tudo. E a tortura, as prisões. Os bufos. A censura. Trabalho de sol a sol e praças de jorna. Havia gente que partia a monte para a Europa, como aconselha agora de novo o primeiro-ministro.

Havia fome, miséria e ignorância. E muito medo, essa doença contagiosa, muito, muito medo! “Lá está você a puxar para a política. Até parece que é comunista. Naquele tempo os cofres estavam cheios de ouro, fique sabendo!” Parece que hoje também há cofres cheios. Assim diz a Maria Luís. “Uma coisa é certa este país está cheio de malandros!” Gente que vive acima das suas possibilidades.

Gente que come o que não devia. Gente que se acha no direito de andar calçada. Gente que pensa ter direito a trabalhar, a gozar férias. Que pensa que pode ter direito à saúde, à educação dos filhos, a uma pensão justa… “Pronto, pronto, lá está você a falar de política! Olhe eu não voto em nenhum, se quer saber.” E depois queixa-se dos políticos que deixa que o governem. “E você a dar-lhe com isso. Trabalhem! Trabalhem, e o país endireita-se.”

Num final de tarde, num dos raros cafés de bairro abertos na cidade, enquanto lá fora chovia de mansinho, discutia-se não-política. No televisor ligado num canto da sala corriam imagens que ninguém via do primeiro-ministro que discursava numa cerimónia de aniversário do seu partido. Um velho tonto repetia e repetia: Política! Política!

A chuva miudinha e triste persistia. No noticiário televisivo apresentava-se agora a previsão meteorológica. Prometiam-se abertas… “Política, política!”- insistia o velho tonto. “Talvez o tempo melhore. Umas abertas e se quisermos, quem sabe venha o solzinho.” Ouviu-se, vindo de algures. “Se quisermos?” perguntou o velho. “Política, política!”

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.