Dito pelo humorista Jô Soares, qualquer coisa tem piada. “A corrupção não é uma invenção nossa, mas a impunidade sim”, gracejou. De facto, rir é o melhor remédio.
Ao acabar de ler alguma literatura nórdica sobre escândalos políticos e corrupção, fiquei com a sensação de que estamos todos, afinal, ao mesmo nível: onde há pessoas e interesses, há sempre alguma possibilidade de se gerar a corrupção. Mas o Jô é que sabe.
E o Jô diz: a diferença é que nuns casos há consequências e noutros não. É costume o Jô brincar com coisas sérias. E eu até concordo com ele. Vou contar-lhe esta história articulando as ideias mediante seja ou não candidato a Presidente da República. Está em voga ser candidato. E eu aproveito esta crónica para fazer a minha propaganda.
A corrupção é um tema sempre quente, que desperta atenções e colhe a adesão de todos. Até dos que não são corruptos mas metem cunhas; condenam os subornos mas aliciam polícias para não serem autuados; ou falam mal dos autarcas mas mostram orgulho na sua lista telefónica quando se trata de “puxar uns cordelinhos”.
Para além disso, a corrupção é um tema apelativo, por ter como sinónimos deterioração, decomposição, putrefação, adulteração, podridão e até… sedução. Ou seja, é um assunto negativo. O que encaixa que nem uma “luva” na teoria de que “más notícias são boas notícias”.
Assim, se eu fosse candidato a Presidente, diria que somos um País de corruptos. Se não fosse, teria de referir que as estatísticas da Justiça revelam que o número de casos até tem diminuído. Se fosse candidato, diria que a Justiça faz vista grossa e raramente condena; se não fosse, mostraria que os dados demonstram que a eficiência tem aumentado.
Se fosse, diria que a Justiça tem mão leve com os poderosos e mão pesada com o peixe-miúdo; mas se não fosse, exibiria a nova lista de profissões de risco: ex-governantes, banqueiros, deputados e outros. Se fosse, diria que a PJ, os juízes e sobretudo o Ministério Público passam informação aos jornalistas violando sistematicamente o segredo de justiça; se não fosse, teria de recordar a brilhante estratégia dos procuradores do Face Oculta que marcaram discretamente os mandados de busca dos arguidos e assim descobriram quem era afinal o delator, quando a informação foi reproduzida num telejornal. Esse arguido foi condenado por violação do segredo de justiça.
O Ministério Público demonstrou que também há arguidos que atuam contra si próprios visando descredibilizar a investigação. E que jeito esse argumento pode dar…
O problema é que nestes dez anos, aprendemos bem com Cavaco sobre o que é ser Presidente: umas vezes somos, outras não somos.
É claro que não sendo candidato, teria de dizer também que há uma corrupção tão submersa que é difícil de apanhar só com pesca à linha. E que talvez por isso a Justiça tenha deixado escapar nas profundezas do oceano o caso dos submarinos.
Embora, não sendo candidato, não enjeitasse compreender que é difícil apresentar provas de um crime complexo de corrupção, envolvido numa teia internacional, ocorrido há vários anos, onde sofisticados aspiradores de estratégia legal e financeira especializam-se a varrer os vestígios mais incautos.
Se fosse candidato, puxaria da algibeira a frase politicamente correta sempre que me questionassem sobre a corrupção: é preciso confiar na Justiça. Se não fosse candidato, diria o mesmo, embora nesse caso não precisasse de ser politicamente correto. Mas diria com convicção: é preciso confiar na Justiça.
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