Descia no elevador de um hotel de São Paulo quando uma senhora com respeitáveis cabelos brancos, daquelas a quem a vida parece fazer toda a diferença, apontou para o livro que eu trazia na mão: “Corrupção: Parceria Degenerativa”, colocado recentemente nos escaparates da livraria Cultura da Avenida Paulista.
“Toda a gente devia ler isso”, disse para ninguém. Ninguém ouviu. A sua voz evaporou-se no silêncio dos rostos. As palavras inaudíveis respiravam timidamente junto aos olhares pregados ao chão. A porta abriu no quarto andar. Ninguém saiu, apenas entrou um casal de meia idade.
“Toda a gente devia ler isso”, voltou a dizer pausadamente para ninguém. Ninguém ouviu. A capa do livro era receosamente cobiçada pelos vislumbres que se erguiam um pouco do chão até às minhas mãos perenes.
O elevador voltou a parar, agora no terceiro andar. Ninguém saiu, só entrou um empregado do hotel. Estava de poucas falas, mas trazia uma brochura publicitária que dizia: não pense num elefante. A sua pele mestiça parecia brilhar nas entrelinhas da folha creme. “O meu é branco, todas as noites me atormenta”, disse a senhora. “E o seu?”
O empregado não quis perceber. Sorriu apático. Todos os homens silenciosos pensaram numa cor para o seu elefante. A senhora não era dada a apatias: “Eu disse para não pensarem, mas vocês estão pensando”. “O meu é verde”, disse o do fundo, aquele que entrara no terceiro andar.
“Verde? é a cor do dinheiro, você precisa de ler isso”, advertiu-o, apontando para o meu livro que fala sobre corrupção. A porta do elevador voltou a abrir-se. “Este elevador é rápido…”. Todos saíram no segundo andar, menos eu, a senhora e o empregado. O elevador ficou parado.
Ela, que estava junto aos botões, perguntou ao mestiço: “Você prefere subir ou descer?”. “Neste caso eu vou descer”, respondeu ele. “Nossa, que falta de ambição. Você precisa ler isso”. Ele sorriu com a mesma apatia, vaga e indiferente. O elevador parou no primeiro andar. A porta abriu. Não havia ninguém. Ainda assim, a porta esperou.
“Continua a querer ir para baixo?”. O homem acenou com a cabeça, num gesto afirmativo. “Sim, senhora”, achou que devia dizer. Ela, que tinha o dedo coruscante a rondar os botões, carregou no de baixo. “Você importa-se com os elefantes?”, questionou-o a partir do cimo dos óculos estacionados na ponta do seu fino nariz.
“Importo sim”, retorquiu o homem. “Com um bicho pequenino que nem um elefante todos se importam, mas com um papão chamado corrupção, do tamanho deste país, poucos se incomodam”. O elevador chegou ao piso térreo. O empregado largou a apatia para sair numa única e larga passada.
Virando-se para trás vociferou: “A senhora prefere subir ou descer?”, e sumiu-se sem ouvir a resposta. Agora só restávamos dois. Ela e eu. “E você, não fala?”, interpelou-me. “Não… eu só estou aqui para segurar o livro e narrar a história”.