A aprovação pelo Governo do mapa com os 164 municípios em risco de desertificação é o reconhecimento público da concretização do grande desígnio nacional que mobilizou os sucessivos governos da IIIª República: a transformação da A1 na verdadeira fronteira de Portugal. A reforma do mapa judiciário, como eu aqui escrevi, não deixava, aliás, margens para dúvidas sobre quais as fronteiras de Portugal para o actual Governo. E quanto aos alegados privilégios especiais que estes 164 municípios irão ter no acesso aos fundos estruturais no período até 2020, só nos traz à memória a distribuição das verbas dos direitos televisivos pelos clubes da I Liga. Os presidentes destes 164 municípios comportam-se, de resto, como os presidentes dos pequenos clubes da I Liga que, sem adeptos, vão enganando o estômago com as migalhas que vão caindo da mesa. Lisboa sempre alimentou o ego e as rivalidades destes micro-clubes/municípios porque é a sua pequenez que garante o poder imperial de Lisboa.
Não há benfiquista que não se orgulhe de jogar em casa em todos os campos deste país. É, aliás, o único grande clube europeu que se pode gabar disso, porque todos os outros apenas jogam em casa nos seus estádios. Mas a explicação não está na grandeza do Benfica, mas no facto de os estádios onde o Benfica vai jogar serem de clubes sem adeptos. Porque, se tivessem adeptos, como sucede em Inglaterra, Espanha ou Alemanha, o Benfica, por muitos adeptos que tivesse, tinha de se contentar com a pequena percentagem de bilhetes para a equipa visitante.
O futebol espelha o enorme desequilíbrio que existe entre Lisboa e o resto do país. Enquanto os clubes de Lisboa (Benfica + Sporting) têm mais de 70% dos adeptos portugueses, os clubes de Madrid (Real + Atlético) não chegam aos 25%. E enquanto Benfica, Sporting e Porto têm mais de 95% dos adeptos, Real, Atlético e Barcelona têm menos de 40%. E, saliente-se, o campeonato espanhol é considerado um dos mais desequilibrados da Europa mas quando se compara com o português….
E mesmo relativamente ao FC Porto, as elites de Lisboa ainda se sentem incomodadas com este intruso, uma vez que, na sua óptica, o campeão nacional deveria ser obrigatoriamente um dos grandes de Lisboa. O poder de Lisboa, seja na política, seja no futebol, não está na disposição de levar a cabo qualquer reforma estrutural que implique abrir mão dos recursos humanos e financeiros necessários a equilibrar o país. Pelo contrário, todas as reformas que PS e PSD anunciam para a próxima legislatura visam precisamente reforçar o poder de Lisboa e Porto, como é o caso dos círculos uninominais, da regionalização e do reforço das competências dos municípios. As reformas que mais duramente atingem as regiões mas pobres são sempre feitas com o argumento de que as vão favorecer, como foi o caso do mapa judiciário. E é isto que devia ser denunciado nos jornais e nas televisões nacionais e que só não é porque todos os jornalistas e comentadores da política nacional são iguaizinhos aos comentadores dos programas desportivos. Ou seja, são adeptos dos grandes de Lisboa e Porto.
Um território com oito milhões de habitantes é uma pequena cidade. Acontece que os sucessivos Governos, em vez de governarem Portugal como se fosse uma cidade, governam Lisboa como se fosse o país.
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