1. Aqui começou a Crise académica 1969
À minha frente fica o Departamento de Matemática, para o qual me dirijo. Foi aqui, no dia da sua inauguração, em 17 Abril de 1969, faz agora 46 anos, que a Crise Académica 69, começou. Nessa manhã de Abril quando o Presidente da República, Américo Tomás chegou, acompanhado pelos ministros da Educação e o das Obras Públicas, com o reitor da UC e vaárias personalidades da sociedade civil, religiosa, militar e universitária, eram inesperadamente aguardados por milhares de estudantes empunhando cartazes e gritos violentos de contestação. A Academia de Coimbra, em peso, clamava pelos seus direitos de mais democracia e melhor ensino.
2.Milhares de estudantes em pé de guerra
Foi uma perturbação enorme, um caso raro, num país pacificado e silenciado, humilde e temeroso. Portugal era nessa altura um país amordaçado, isolado da Europa e fechado para o Mundo. Teimosa e cegamente envolvido numa Guerra Colonial em 3 frentes principais (Angola, Moçambique e Guiné Bissau) que desgastava economicamente o país e dizimava de forma impiedosa a sua juventude.
Milhares de estudantes, mal acabados os seus cursos ou quando “chumbados” a meio dos mesmos, eram retirados do seu meio, de amigos e familiares, e conduzidos para teatros de guerra, sangrentos e mortíferos, para os quais não estavam minimamente preparados. Era um genocídio monstruoso que durou mais de uma década!
Os cordões policiais fortemente armados começaram a engrossar chamados à pressa, a polícia política infiltrava-se entre a multidão corajosa, tomando nota dos contestatários mais ousados, para, mais tarde os perseguir e impiedosamente os prender.
Os governantes escoltados por todo o lado, por entre os insultos da multidão, entraram no Departamento da Matemática, encaminhando-se de imediato para o auditório. A malta em turbilhão, impossível de controlar, foi atrás deles e a sala ficou a transbordar até cá fora, ao meio da rua.
3.O ponto alto da contestação da Academia de Coimbra
Depois do Presidente da Repuública ter falado, o presidente da AAC- Alberto Martins, levantou-se perante o espanto geral, e corajosamente em voz pausada, que ecoou por todo o espaço, pediu a palavra: – V Exa Senhor Presidente da República dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia, em nome dos estudantes de Coimbra?
Se tivesse caído ali uma bomba, a surpresa não teria sido maior! Depois de minutos longos de desorientação, a palavra foi-lhe negada. A cerimónia terminou de imediato. Os governantes saíram, à pressa, escoltados, por uma porta lateral e metidos em carros que arrancaram rapidamente. O presidente da AAC seria preso nessa noite!
Cá fora, de repente, uma forte carga policial a cavalo, desabou sobre a multidão, batendo e escorraçando sem dó nem piedade os estudantes, que caíam logo ali no chão ou corriam perseguidos por cavalos esporeados com violência. Tinham apenas a sua velha capa para se defenderem das bastonadas ferozes. Foi uma brutalidade cobarde, sem nome!
A Crise Académica durou meses com vários episódios que nos levariam à democracia. É importante que o país inteiro conheça este episódio, pois ele diz bem daquilo que é a Academia de Coimbra e dos seus generosos estudantes, quando espoliados dos seus direitos.
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