Opinião – A violência doméstica

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Santana-Maia Leonardo

Santana-Maia Leonardo

Fui contra a criação do crime de violência doméstica por uma única razão: porque estava convencido de que iria fazer disparar o número de mortes, como infelizmente aconteceu.

As ofensas corporais e o homicídio de cônjuges, pais e filhos deviam qualificar o crime de ofensas corporais e de homicídio, mas não o deviam autonomizar. Quando se legisla, o legislador devia ter mais em conta a natureza humana do que a ficção humana que percorre o pensamento politicamente correcto.

Toda a relação assente no coração é irracional por natureza. O coração tem razões que a Razão desconhece. E não é a pena de prisão por mais pesada que seja que tem a virtualidade de dissuadir quem considera que só matando e morrendo se consegue libertar dos demónios que o atormentam.

Existe, aliás, um ditado popular que revela um grande conhecimento da natureza humana: “entre marido e mulher não metas a colher.” A vida a dois não é fácil e é foco de tensões permanentes. Discussões com algum grau de violência verbal e dramatismo são frequentes em todos os casais, mesmo nos casais mais pacíficos e normais. E, para além de serem absolutamente normais na vida de qualquer casal, têm a ver com a sua intimidade e privacidade. Só em situações extremas uma pessoa se deve intrometer e sempre tratando a situação com pinças. Nunca à colherada.

Pequenas coisas, que vistas de fora são ridículas, podem ter uma importância extrema para quem as viva por dentro. Por alguma razão toda a gente se reconhece no poema de Álvaro de Campos “todas as cartas de amor são ridículas”. Mas são ridículas para os terceiros que as lêem, não para aqueles que as escrevem.

Acontece que, com o crime de violência doméstica, toda a gente, desde os amigos aos vizinhos, se acha no direito de se meter na vida do casal. Toda a gente quer tirar nabos da púcara, dar conselhos, armar-se em psicólogo de pacotilha e, inclusive, acha-se no direito de apresentar queixa por dá cá aquela palha, transformando situações absolutamente normais e que poderiam ser ultrapassadas facilmente pelo casal, em situações humilhantes, vexatórias e potencialmente perigosas.

Há segredos, alguns dos quais absolutamente ridículos e comezinhos, na vida do casal que nunca podem ser do conhecimento de terceiros, sob pena de se transformarem em questões de vida ou de morte. Como ensinava Confúcio, “nunca irrites um homem paciente.” E quando toda a gente quer resolver as desavenças do casal através do posto da GNR, é natural que o caso acabe no cemitério.

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