Diplomata de Coimbra que já passou por quatro continentes

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Vítor Sereno

Vítor Sereno

Que melhor recordação tem de Coimbra?

Coimbra enche-me as medidas. Sou um “coimbrinha” típico, nado e criado na cidade. Nasci no Instituto Maternal Bissaya e Barreto e vivi até aos 23 anos no Bairro Norton de Matos, lugar onde os meus pais ainda hoje habitam. Cresci a jogar à bola no ringue do Bairro e a dar os primeiros passos no Café Samambaia onde ia religiosamente com o meu pai comprar o jornal. Costumo dizer, meio a brincar, que o meu primeiro posto no estrangeiro foi Lisboa em 1994.

Porque é que diz isso?

Não é fácil estar longe da família, do aconchego do lar, a aprender a cozinhar sozinho… Já com o canudo na mão , e depois de estagiar com Alfredo Castanheira Neves, entrei primeiro para a KPMG Portugal e, mais tarde, para os Negócios Estrangeiros. Fui, de facto, um felizardo que fez a Escola Primária no Externato João XXIII, o Ciclo Preparatório na Eugénio de Castro, o Liceu no Infanta D. Maria (para mim de longe a melhor escola pública portuguesa) e a Universidade na Faculdade de Direito. Tudo a 15/20 minutos de casa. Tenho várias boas recordações. Alguns dos melhores amigos (os de infância) que ainda lá moram, os tempos de dirigente associativo na Faculdade de Direito. Fui o primeiro presidente da Comissão Central da Queima das Fitas oriundo da FDUC.. que grande Queima essa de 92!!…e que deu lucro! Coisa rara naqueles dias!

Sente que a ligação à cidade já acabou?

Acho que não. Gosto demasiado da cidade e das suas gentes. Mesmo longe conseguimos arranjar formas de manter essa ligação, através da música, dos sabores da fantástica gastronomia e dos amigos, quando com eles partilho memórias que nos transportam no tempo. Para além de todos esses momentos marcantes vividos em Coimbra, que guardo e que fazem de mim a pessoa que sou hoje, acho que as melhores recordações ainda estão para vir…

Neste momento, quais as funções que exerce?

Comecei a exercer as funções de Cônsul-Geral de Portugal em Macau e Hong-Kong em 28 de março de 2013. Fará dois anos daqui a poucos dias…

É diplomata desde quando?

Sou diplomata desde 1997. Este é o quarto continente onde sirvo Portugal. Comecei em 2000 na Guiné-Bissau, de 2002 a 2005 estive na Argentina, de 2006 a 2008 na Alemanha, onde fui Cônsul-Geral em Estugarda e Munique. Neste último posto, e durante seis meses, ocupei também cumulativamente o lugar de Cônsul-Geral na Holanda, entre novembro de 2006 e abril de 2007. Entre 2008 e 2013 tive o privilégio de trabalhar nos Serviços Internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde fui Chefe do Gabinete do Secretário-Geral, do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e da Presidência do Conselho de Ministros, com o Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.

Que diferenças encontra em todas estas missões?

Conheci até agora quatro continentes, muitas culturas e muitas, muitas, pessoas. Tudo é diferente, de país para país, mesmo dentro do mesmo continente. Em alguns lugares, encontram-se melhores condições para viver e trabalhar e em outros lugares, é-se confrontado com condições mais desafiadoras. Todos eles foram experiências muito enriquecedoras. Tive, por exemplo, experiências fantásticas na Guiné-Bissau, onde ainda tenho grandes amigos. O país estava a sair de uma duríssima guerra civil. Assisti e testemunhei a dois golpes de Estado durante a minha presença lá. Jamais esquecerei os rostos das crianças perdidas no meio daquela guerra, que nunca foi (nem será) a delas. Para um diplomata, que tinha 29 anos na altura, foi uma lição de vida, aprendi a relativizar muitas coisas desde então.

Quanto à Associação de Antigos Estudantes de Coimbra em Macau…

Foi uma excelente ideia de alguns compatriotas nossos aqui residentes, dos quais destaco Rocha Dinis, Filipa Guadalupe e Catarina Cortesão Terra, que resolveram simpaticamente fazer-me sócio número 1. É um organismo que pretende reunir naturais / antigos estudantes da nossa cidade e que vivem em Macau. Um grupo aglutinador de todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, estão ligados a Coimbra.

Quais foram as principais dificuldades que teve para se ambientar em Macau?

Nenhumas. Embora esteja a 10.000 quilómetros de Portugal, aqui sinto-me em casa.Encontrei uma comunidade portuguesa que me soube acolher muito bem, autoridades das duas Regiões Administrativas Especiais (Macau e Hong-Kong) com as quais tenho uma excelente relação pessoal e profissional. Sobre Macau, mais especificamente, é um lugar onde toda a gente conhece toda a gente, mas, ao mesmo tempo, pode-se desfrutar de tudo o que uma grande cidade internacional tem. Macau, Património da Humanidade, onde a presença portuguesa (de cerca de 400 anos) é bem visível, quando caminhamos pela calçada portuguesa nas principais Praças, ou quando vemos o nome das ruas escritas em português. Depois, tenho uma equipa de trabalho – infelizmente cada vez mais pequena por razões de competitividade salarial – que partilha dos mesmos valores de exigência e qualidade que eu preconizo para servirmos cada vez melhor o cidadão português.Não tenho que me queixar.

Que visão tem de Portugal?

Portugal é uma das nações mais antigas do mundo, e tem passado nos últimos anos por grandes mudanças e dinâmicas. Não tenho dúvidas que Portugal é um excelente país para investir. Tenho-o dito quase todos os dias neste lado do mundo e não me cansarei de o repetir até à exaustão. Um parceiro credível, moderno, sólido juridicamente, evoluído e com infraestruturas extraordinárias. Já reparou que os chineses veem sempre na palavra crise um sinónimo para oportunidade? Por isso a China é hoje um parceiro económico incontornável e inquestionável para Portugal.

E Coimbra?

Sobre Coimbra acho que a nossa cidade é uma verdadeira “dor-de-alma”. Não quero, nem me sinto no direito de fazer críticas a ninguém. Todos nós, os que gostamos verdadeiramente dela, temos culpa. A última vez que passeei pela Baixa fiquei doente. Um verdadeiro deserto urbano. Lojas e lojas fechadas. Comércio tradicional completamente morto. Se visitarmos Aveiro, Viseu, Leiria, Braga ou Guimarães percebemos o alcance das minhas palavras. Recuperámos um bocadinho o fôlego graças à Universidade de Coimbra – Alta e Sofia na lista do Património Mundial da Humanidade, mas estamos a anos-luz do que se pode fazer por uma cidade que poderia dar cartas a nível nacional e europeu na área da saúde, da habitação, do turismo de terceira idade, da investigação, da qualidade de vida.

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