Opinião – Que justiça é a nossa?

Posted by
Spread the love
José Augusto Ferreira da Silva

José Augusto Ferreira da Silva

Portugal tem sido abalado nos últimos meses por casos de justiça com elevada repercussão social e mediática. Primeiro, a sentença do processo Face Oculta; depois a detenção de Ricardo Salgado; há dias o processo dos vistos dourados; finalmente, a detenção do engenheiro José Sócrates.

Sem entrar na apreciação ou comentário a qualquer dos casos concretos pendentes nos tribunais, importa apreender o que há neles de comum que deve merecer reflexão à generalidade dos cidadãos, independentemente do papel que tenham na administração da justiça.

Apreciarei, por ora, apenas três aspetos relevantes: as detenções dos arguidos para serem presentes ao juiz de instrução; a presunção de inocência e o segredo de justiça.

Passou a ser moda, desde há alguns anos, à imagem e semelhança do que se passa noutros países, e em particular nos Estados Unidos, deter as pessoas para as fazer presentes ao juiz. E após isso, manter a detenção por largos dias com o argumento implícito da complexidade do processo, do perigo de fuga, da salvaguarda dos meios de prova, etc.

Embora a lei o admita em circunstâncias excecionais, o sistemático recurso a este modo de atuar, em nossa opinião, revela-se de enorme perversidade, por criar a convicção de que quem foi sujeito a tal detenção prolongada praticou factos muito graves e, por isso, deve ser sujeito a medidas de coação severas. Dir-se-á: uma coisa não tem a ver com a outra.

Mas só quem está alheio ao que se tem passado o pode afirmar. Na verdade, quem ouviu as “ ameaças” dos habituais comentadores televisivos ao Procurador e ao Juiz para o caso de, afinal, findos os interrogatórios, não vir a revelar-se a existência de crimes graves, através de fortes medidas de coação, entende bem o que digo.

Por outro lado, vamos assistindo enojados – pelo menos eu assim me sinto – à revelação sistemática, enquanto decorrem os interrogatórios, de pequenos ou grandes factos mais ou menos pormenorizados, que conduzem, subrepticiamente a opinião pública a formar juízos , em regra, de condenação. Factos esses que só podem ter saído, de forma ilícita, do processo.

Também a divulgação a alguma comunicação social das detenções e atos semelhantes é reveladora de uma relação promíscua entre as denominadas “ fontes do processo” e aqueles. O que tudo é absolutamente intolerável, mas que nunca levou, até aos dias de hoje, a uma condenação relevante por violação do segredo de justiça.

E isto leva-nos diretamente à tão propalada presunção de inocência. Apanhados nesta teia, os arguidos jamais se verão livres da “ condenação pública” que aquele modo de conduzir o processo, numa fase crucial, lhes impôs. E dificilmente o seu julgamento virá a ser justo e imparcial.

Atente-se que a Ministra da Justiça, em mais uma das suas especificidades, reveladoras de grande desnorte, sempre que há mais uma detenção, repete à saciedade que acabou a impunidade em Portugal! O que quer significar, para bom entendedor, que o detido é para si um criminoso!

Finalmente, isto que aqui dizemos a propósito deste casos mediáticos recentes é, infelizmente, o pão nosso de cada dia. Só que as vítimas de tais procedimentos, a maioria das vezes, não têm nome, nem voz. E ninguém repara… que justiça é essa?

One Comment

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.