Opinião – Duas cartas do Tibete

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Elsa Ligeiro

Elsa Ligeiro

Quando António de Andrade saiu de Oleiros para ingressar, em 1596, na Companhia de Jesus, em Coimbra, talvez já levasse muito do ardor da missão que desempenhou no século XVII em Goa e no Tibete.

Não o sabemos de fonte segura, mas o percurso até à sua morte, em 1634, desenha a imagem de um homem corajoso, persistente, e em que a religião cristã encontrou um servidor determinado. Os registos sobre a sua estada no Tibete encontram-se em duas cartas, a primeira de 1624, onde dá conta ao seu superior da sua “fuga” da missão em Goa, na companhia de Manuel Marques, para seguir uma caravana de peregrinos budistas que viajavam para norte, e que o aproximariam do Tibete.

O relato desta primeira carta é heróico, com uma narrativa dramática, nomeando com detalhe os obstáculos que a viagem comportou e acrescentando na missiva as primeiras indicações sobre a vida no Tibete. A segunda carta, mais extensa, é uma narrativa extraordinária sobre a vida religiosa, social e política do Tibete no séc. XVII.

Bom escritor, o Padre António de Andrade relata com inúmeros pormenores a sua estada de dois anos no Tibete, a dificuldade que lhe coloca um novo e estranho idioma, e a estreita relação que conseguiu com o casal real e outros elementos da corte. O jesuíta português descreve, num nítido tom de superioridade, mas com algum detalhe sociológico, as tradições e crenças budistas do reino do Tibete. Dá-nos conta de elementos da economia e da política geoestratégica da região e do seu trabalho que culminou na edificação da primeira igreja cristã na montanha mais alta do planeta.

Esta segunda carta é, essencialmente, sobre a vida no Tibete e do trabalho missionário de evangelização dos jesuítas, mas é ao mesmo tempo um pequeno tratado de diplomacia.

Depois de dois anos no Tibete, o Padre António de Andrade regressa a Goa para desempenhar cargos de relevo dentro da missão jesuíta que entre outras preocupações da época procurava com ardor separar os velhos dos novos cristãos.

Dizem que morreu envenenado, a 19 de Março de 1634, deixando nas duas cartas que escreveu sobre as suas viagens ao Tibete um testemunho pessoal notável sobre o encontro de duas religiões.

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