Esta semana assistimos a um lamentável espectáculo em torno das decisões do Tribunal Constitucional e da chantagem exercida pelo governo a esse respeito.
Desde que o governo português começou a tirar medidas da cartola a seu bel-prazer, cortando em salários, pensões e outras prestações sociais, medidas sucessivamente decretadas inconstitucionais, que começou a ganhar terreno um discurso muito perigoso.
É o discurso que diz que em “tempos excepcionais” o Tribunal Constitucional deve “flexibilizar” a sua acção para melhor se adaptar.
Ora, a Constituição é um conjunto de leis fundamentais que não podem ser postas em causa por pequenas maiorias ocasionais, muito menos por maiorias que já não o são.
Admitir isso seria dizer que um Governo eleito por quatro anos poderia cancelar os princípios e os direitos básicos de um Estado democrático.
É precisamente nos momentos mais difíceis que o TC é mais necessário para proteger os direitos de todos e, em particular, dos mais fracos.
Mas o discurso é perigoso porque além do mais cauciona cedências inaceitáveis ao regime democrático e ao Estado de direito.
Nos últimos anos pudemos ver que a austeridade é incompatível com o Estado social. À medida que o tempo passa vamos verificando que a austeridade cava ainda mais fundo e que ela é também incompatível com o Estado democrático.
A gravidade das manobras da última semana é que colocam à vista uma terceira incompatibilidade: a com o próprio Estado de direito.
O presidente mantém-se ausente – uma estátua -, o governo ignora os resultados eleitorais recentes e agora até o primeiro ministro entende pôr em causa os membros do TC, já que a Constituição, como sabemos, foi por ele posta em causa há muito tempo.
Não há nenhuma modalidade de Estado democrático em que estás operações sejam todas compatíveis, a não ser numa República das Bananas.
Este governo tem um plano bem definido e ele passa sempre por ir cortar aos do costume, a quem não provocou a crise. Mesmo que seja preciso passar todos os limites.
Ao governo não passa pela cabeça – porque não faz parte do plano – ir buscar recursos a quem provocou a crise, a quem com ela lucrou. Seria muito mais simples e seguramente constitucional.
Bastava que o governo quisesse fazer uma reforma fiscal decente e tivesse a coragem de definir limites mínimos para transferência de crédito para a economia real.
A banca comercial recebeu fundos ilimitados com dinheiro dos contribuintes. Pôr uma parte desses montantes ao serviço da economia real é o mínimo dos mínimos.