Opinião – Ressurreição/ ressurgimento – aldeia I

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Norberto Canha

Norberto Canha

Começo por uma interrogação. O que é Cultura?

Muitas definições se podem dar, mas, a mais pertinente e objectiva é: Cultura é a capacidade de sobreviver em meio hostil; donde Agricultura ser a primeira das culturas.

Não é por acaso que o meu amigo, já falecido, norueguês, me dizia que a sua família, na Segunda Guerra Mundial, comeu durante dois anos, apenas, batatas, utilizando como estrume os dejectos – fezes e urinas – e água, se necessário, para regar.

Mas será que algum dos governantes desde os escalões primários até ao Poder Supremo centralizado em Lisboa, sabe, quanto pode produzir um metro quadrado de batatas? Vou acreditar que sabem, doze quilos! Haja vontade de trabalhar e não dar o espectáculo deprimente de, nas cidades, se fazerem de coitadinhos e andarem a estender a mão à caridade, embora quase todos eles sejam gordinhos ou dependentes da calamidade das calamidades – droga – que infelizmente, hoje, já começou a invadir a aldeia.

Em Luanda, durante a guerra, num quintal, não muito grande, os meus tios (mas essa tarefa pertencia à minha tia) tinham duas cabras que iam pastar para as barrocas e davam leite para consumo da casa, além de cabritos. Tinham coelhos e galinhas que punham ovos suficientes, que estrelados em azeite eram a nossa delícia ao pequeno-almoço. Semeava-se milho, para em verde se dar aos animais; a fruta vinha da fruta pinha (anonas) e das papaias. Até havia uma figueira que dava figos durante todo o ano, regada com água fresca do banho de chuveiro que para ela corria livremente.

Homem culto, não será nunca aquele que muito sabe, reproduz ou cria, mas morre e deixa morrer de fome a família, por tendo à sua disposição terra e água ser incapaz de cultivar! É assim que entendo que deve ser ensinada a agricultura no ensino primário, como aliás sucedia durante a Monarquia e a I República até 1923; depois vieram os intelectuais e humanistas, que só consomem, mas para sobreviver nada produzem! É assim que penso que até ao terceiro ano de escolaridade se devem ensinar três coisas – os três C’s: Comunicar – ler, escrever e as quatro operações; Comportar – serem educados, que neste aspecto era um privilégio pertencer a uma aldeia onde todos participam e todos davam o exemplo; Conservar – a memória da família e como proceder, trabalhando desde cedo, e aprendendo as tarefas agrícolas e pecuárias para cedo se ser homem e estar apto a ganhar a vida, se os pais lhe faltassem, nem que fosse a guardar vitelos ou zagalos de cabras ou ovelhas.
Na minha aldeia, naquele tempo, tinha 15 rebanhos de ovelhas e cabras e cada um deles tinha pelo menos 120 ovelhas e 70/80 cabras: 10 juntas de vacas que além das tarefas agrícolas – lavragem e carreja – davam 20 vitelos por ano; não havia nenhuma casa que não criasse um ou dois porcos… galinhas, perus…

Calculando por baixo, disponibilizava por ano 30 mil quilos de carne.

Cereal (centeio e trigo); a princípio depois da carreja e meda, malhada pelos homens, e as mulheres a atirá-lo em cestas ao ar e ao vento sobre mantas para limpar; apareceu a primeira malhadeira, já malhava e limpava, era só, apenas, ensacar. Havia lagar de azeite…

Todos tinham um pedaço de terra. Se o azeite ou castanhas não chegasse a família ia ao rebusco, depois da apanha, da azeitona e das castanhas… Toda a família participava! Os pequenitos também apanhavam! Os figos, em regra, bastavam os apanhados nas próprias figueiras. Utilizava-se muito o sistema “a meias” desde o gado, a horta… a apanha à sementeira…

Surgiu um homem notável – o Engenheiro Camilo de Mendonça –, natural do meu concelho e de uma aldeia vizinha. Ele, foi o homem que mais revolucionou a agricultura, criando o Complexo Agro-industrial do Nordeste (Cachão) e as Corporativas. Aquele complexo era o melhor que havia na Europa naquele tempo; as corporativas funcionavam. Havia para onde drenar os produtos: azeite, azeitona, animais, lã. Forneciam sementes e plantas. Éramos ou caminhávamos para ser auto-suficientes, no aspecto alimentar, como nos outros, em tudo.

As perseguições políticas levou-o a ir para o Brasil, donde veio moribundo. Tudo colapsou! Hoje importa-se 85% do que se consome! Todos apregoam turismo, mas o consumido pelos turistas é quase tudo importado!

Poderá haver mais escândalo do que o verificado: um quilo de batatas paga-se ao consumidor por 15 cêntimos, vende-se nos supermercados por 75 cêntimos. Cinco vezes mais! Tem que se baixar o preço para o consumidor e ficar para quem produz 50% do pago pelo consumidor. Não há tempo a perder! Continua Aldeia II.

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