Opinião – A mentira

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Bruno Paixão

Bruno Paixão

Já alguma vez mentiu? Se respondeu que não, começou agora. É sobre isso que lhe quero falar hoje, sobre a mentira. Vou dar como exemplo o caso do ministro Rui Machete. Recuemos a 05 de novembro de 2008. Machete escreveu a todos os líderes parlamentares a afiançar que nunca foi acionista da SLN. Mas foi, durante sete anos, de 2000 a 2007. Mérito para o Expresso, que lhe descobriu a careca.

Vários deputados do seu partido mandaram-no rezar trinta avé-marias que tudo havia de ser esquecido. Em público, procuraram desculpá-lo, falaram em verdades ambíguas e fizeram crer que Machete se tinha esquecido, que lhe deu uma branca. Uma branca, veja-se… só lhe ficam a faltar os sete anões!

Vem isto a propósito de recentemente a Procuradoria-Geral da República ter considerado que a mentira do ministro Rui Machete não constitui “falsidade de depoimento”, por ser irrelevante para o apuramento da verdade. E, por isso, não há lugar a punição. Ficamos assim a saber que a mentira de um político a outros políticos é irrelevante. E que o Parlamento foi transformado num verbo de encher. O que me leva a citar Mia Couto pela segunda vez neste espaço: “A política é a arte de mentir tão mal que só pode ser desmentida por outros políticos”. Mas acrescento agora: “por outros políticos e… pela Justiça”.

Podemos dizer coisas sérias a brincar, foi o que aqui fiz ao citar o escritor moçambicano. Mas afasto-me de quem brinca com coisas sérias. Um ministro tem deveres éticos e sabe que pela força do seu exemplo é escrutinado pelos cidadãos e pelos media. É inquietante que um ministro passe por cima da mentira como cão por vinha vindimada.

Ora, se o ministro intencionalmente declarou algo que não é verdade, é porque disse uma mentira, pensará o comum dos cidadãos. Mas aparentemente está enganado, pois há quem entenda que ambas as condições não são polos opostos… embora se atraiam. Cinjamo-nos ao nosso insignificante reduto: se a política aprova e a Justiça também, quem somos nós para pedir a um ministro que seja um exemplo de seriedade quando se dirige ao Parlamento que representa o povo português?

Os casos abundam. E para que não se julgue que partidarizo a mentira, dou novo exemplo. Chamada a uma comissão parlamentar de inquérito, Manuela Ferreira Leite, então líder do PSD, pôs o dedo na ferida e acusou Sócrates de faltar à verdade quando este afirmou não saber que a PT pretendia comprar a TVI.

Ambos os casos degeneraram numa mentira institucional, fazendo-nos regressar ao arcaísmo de Maquiavel, que deu à mentira uma utilidade política, retirando a ética do propósito de servir o bem comum e permitindo ao governante o direito a servir-se de todos os meios para atingir os seus fins. Todavia, creio, Maquiavel estava longe de imaginar que a mentira viria a ser utilizada de forma tão convincente e generalizada. De tal forma que a sua frequência nos adormeceu e já não reflete qualquer assombro. Hoje, os políticos podem mentir, porque na realidade ninguém se importa.

 

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