Opinião – A Praxe (I)

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Norberto Canha

Norberto Canha

Escrevi alguma coisa sobre Praxe Académica, quando a Universidade de Coimbra, a alta e a Rua da Sofia se candidatou a Património da Humanidade, pela UNESCO, e em que a Praxe Académica de Coimbra devia ser abrangida pela sua imaterialidade.

Agora que é notícia, pelo acontecido na Praia do Meco, ecoa e, pela pior das razões, em todos os órgãos de comunicação social, direi:

“Eu sou praxista, pratiquei e submeti-me à praxe.

Já vi um esboço de praxe no Liceu Salvador Correia, em Luanda, onde frequentei o primeiro e segundo ano do liceu. No colégio Alexandre Herculano, em Nova Lisboa, internato, também se esboçava e tornou-se marcante quando o 4.º e 5.º ano ( 4 e meio) se organizaram contra a prepotência, embora moderada, dos mais velhos.

Decidi vir para Coimbra, como outros colegas, ao tempo que frequentávamos o Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, quando vimos o filme Capas Negras, de que era figura principal Alberto Ribeiro, ainda bem que o fizemos. É que na Praxe de Coimbra, talvez seja nela que reside o êxito da Expansão Portuguesa – vulgo Colonização – pelo Mundo, é que nós, portugueses, dávamos dignidade às pessoas e talvez essa qualidade tenha emergido com a Praxe Académica que visa praticar, aprender a dar dignidade às pessoas, na primeira vintena de vida – período de formação.

A favor do que acabo de referir vou relatar, para quebrar o tédio, três factos:

Em 1963, como cirurgião, estive mobilizado na Guiné, então portuguesa; na Missão do Sono e outras Endemias criámos a Cirurgia das Mutilações Leprosas; era Cônsul do Senegal, o medido, Dr, Carvalho, que embota tivesse nacionalidade senegalesa, se considerava, português por lá ter nascido; posteriormente foi embaixador no Brasil. Contou-me que as instruções que recebera de Leopold Sengor, foi para que não fizesse ondas, senão cairia sobre a Guiné, como estava a acontecer em toda a África, uma calamidade.

Não é que aquando do doutoramento Honoris Causa do professor Maurice Edmond Muller, suíço, considerado pela SICOT – Sociedade Internacional de Cirurgia Ortopédica e Traumatológica – o ortopedista do século XX – esteve entre nós, o Presidente Sengor e, a pedido do Reitor Professor Rui Alarcão, convidou-se para o jantar de gala em São Marcos, bem como a sua comitiva, e, ainda, hoje lembro o seu sorriso e a sua simpatia. Ele terá dito “que também era português, porque a sua avó tinha nascido na Guiné Portuguesa”. A simplicidade, espontaneidade, empatia, serenidade e verdade, com que isto é dito, sobreleva o valor dos discursos exaltantes que pronunciam todos os políticos, e, especialmente, quando são pronunciados nos areópagos internacionais. O nefasto é que são estes discursos que criam o desassossego e são a semente do ódio.

O galã, era um meu colega do Colégio Alexandre Herculano, excelente rapaz mas assim era chamado porque era filho único e andava sempre impecavelmente penteado e vestido. Vem para o Porto, para tirar Engenharia. Meteu-se nos copos. Um dia, já ao despertar do dia, ao chegar a casa repara com a senhoria, acompanhada das vizinhas na porta da entrada e com as malas já de fora. Ele agarra-se à senhora, dá-lhe um abraço e diz: “como é que a senhora adivinhou que eu hoje ia para Coimbra?”. A senhora recolhe as malas.

Vem um tempo depois para Coimbra para a nossa Real República dos Milionários, em que particularmente, no período dos exames, época de maior tensão e perigo de se embebedar, estava um de nós mobilizado para impedir de transgredir. Em Coimbra esteve, cá casou, e foi para o Porto terminar os últimos anos do curso. O espírito da Alma de Coimbra é ser-se o equivalente ao irmão mais velho, sobre o qual recaem todas as responsabilidades da família, no caso da ausência forçada ou falecimento dos seus progenitores. Os pais estão longe, e somos nós, os mais velhos, sobre quem recai essa responsabilidade.

As duas crónicas que se seguem, a II terá como título a Alma; a III a Operacionalidade ou funcionalidade.

Para finalizar, os nossos parabéns ao presidente da Associação Académica de Coimbra, Ricardo Morgado, pela seriedade, combatividade e discurso brilhante que pronunciou em defesa da Praxe da Academia de Coimbra, no programa Prós e Contras, no TAGV. (01-01-2014)

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