“Let’s kill all the lawyers”, já escrevia William Shakespeare em Henry VI. Hoje em dia, muitos assinariam uma petição deste género. Tal como apoiariam uma que visasse políticos. E alguns destes gostariam de fazer o mesmo a juízes, dependendo do tribunal. No fim, todos teriam de ter um advogado a defendê-los. Mesmo os que “matassem” os próprios advogados. Quem não pudesse pagar os honorários de um advogado, teria direito a apoio judiciário, um serviço de todos os advogados (e só destes) prestado às pessoas mais pobres, em benefício do Estado de Direito.
A luta tem sido intensa em Inglaterra, por exemplo, onde a mais recente reforma – Legal Aid, Sentencing and Punishment of Offenders Act 2012 – foi alvo de imensas críticas por, entre outras coisas, querer baixar em 260 milhões de euros uma factura anual superior a 2 biliões e retirar do sistema quem declare rendimentos superiores a 44 mil euros. Estes cortes foram acerrimamente combatidos, que uns dizem colocar em causa a própria justiça (leia-se, a propósito, a carta assinada por várias personalidades QC – Queen’s Counsel -, entre as quais Cherie Blair, e publicada no final de Maio deste ano no jornal The Telegraph e também disponível em http://cherieblair.org/speeches/2013/05/proposals-to-limit-legal-aid-f.html). Este é o país que mais gasta em apoio judiciário. Cada processo custa mais de 3500 euros.
Por cá, em Portugal, o Estado gasta menos de 350 euros por processo e quer baixar a factura no próximo Orçamento de Estado. Num país onde quem ganha mais de 640 euros mensais já não tem direito a este apoio (de acordo com o simulador disponível na segurança social online), tenho sérias reservas quanto a estes cortes. O apoio judiciário não pode ser considerado um custo idêntico ao das rendas dos edifícios onde estão instalados os tribunais, nem ao dos correios (juntos somam mais do que a verba destinada ao apoio judiciário). E também não se pode colocar em causa a pessoa do advogado, como se fez com quase 20 mil denúncias “precipitadas” feitas pelo Ministério da Justiça.
Mas acima de tudo não se podem afastar as pessoas da Justiça, negando-lhes direito a advogado e tribunal. Um exercício de cidadania seria ir mais longe do que a visão aritmética de um orçamento e verificar que o Estado de Direito não se constrói com números, mas com pessoas. Sob pena de, no fim, ficarmos todos sem qualquer defesa possível.
Nota: O tema escolhido esta semana não é alheio ao período eleitoral em curso para a Ordem dos Advogados. Assim, cumpre-me esclarecer que integro a lista candidata ao Conselho Geral do candidato a Bastonário, A. Raposo Subtil. Aceitei também ser mandatário do Dr. Luis Filipe Pereira, candidato ao Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados.