Fernando Serrasqueiro
Sá Carneiro aspirava conseguir um país monocolor – uma maioria, um Governo, um Presidente, com a justificação que favorecia a estabilidade e com isso se obtinha um desenvolvimento mais rápido para um país atrasado em relação à Europa.
Naquela época de fortes convulsões políticas a estabilidade era vista como fator indispensável para criar um modelo de crescimento. Hoje num clima de crise económica temos o sonho de Sá Carneiro concretizado.
A pergunta que se coloca é se esta singular situação é a adequada para criar condições que propiciem o crescimento e a harmonia social?
O Presidente Cavaco Silva foi o motor para se alcançar este desiderato singular, com um feitio que convive mal com líderes fortes, determinados, que lhe retirem o protagonismo numa democracia, republicana, semiparlamentar e com regiões autónomas.
Tudo fez para derrubar Sócrates, cuja personalidade é pouco ajustada a ser subserviente com uma conceção presidencialista da vida política quando a constituição a centra no parlamento.
Os discursos críticos de Cavaco e o apelo à insurreição jovem foram o combustível que alimentaram um clima de instabilidade numa altura em que a crise atingia níveis que um presidente economista não podia desconhecer nem os seus impactos.
Cavaco ajudou a derrubar Sócrates, com o pretexto de desconhecimento do PEC IV quando se sabe que os orçamentos de estado não lhe são endereçados previamente e que têm maior dignidade constitucional. A sua estratégia era derrubar o governo porque sabia o que acontecia na Europa que era penalizar quem estava a gerir a maior crise da nossa vida.
Em vez de ser um agente facilitador de consensos tornou-se um incendiário com a missão de abrir caminho aos partidos que o elegeram. Tendo obtido êxito nesta tarefa tornou-se uma figura inútil no espaço político português porque perdeu margem de manobra para criar condições de diálogo do governo com o maior partido da oposição.
A apresentação da moção de censura do PS ao governo é, por isso, a maior derrota de Cavaco Silva, porque ficou claro que neste momento já só é um suporte institucional dum governo maioritário em que o apoio do presidente não é tão necessário.
Hoje o Presidente é um gestor de silêncios, auto prisioneiro, em fuga do país e desejoso que as férias se aproximem. Por isso nos questionamos se o sonho Sácarneirista é o que melhor se ajusta a esta realidade, quando se justificaria que fosse um presidente solto da maioria que ouvisse os portugueses e com capacidade de intervenção. É assunto que deve merecer reflexão em futura revisão constitucional.