Opinião – Nos 50 anos da “Pacem in Terris” de João XXIII

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MANUEL AUGUSTO RODRIGUESManuel Augusto Rodrigues

O Papa João XXII ficará indiscutivelmente para a história como uma das personalidades cimeiras do séc. XX. O Concílio Vaticano II e as encíclicas “Mater et magistra” ( 1961 ) e “Pacem in terris” ( 1963 ) são alguns dos factos marcantes do seu pontificado. Os dois textos inserem-se no contexto da conturbada década de 1960 com o muro de Berlim e a Guerra Fria a dominarem. Vivia-se a “Ostpolitik”, a reconstrução europeia após a 2.ª Guerra Mundial que “havia suscitado grande desenvolvimento de alguns povos e deixado outros no subdesenvolvimento” e “a descolonização da África”.

Foi a 11 de Abril de 1963 que João XXIII escreveu a “Pacem in terris”, evocando-se agora os seus 50 anos. Decorria o Concílio e o Papa encontrava-se perto do fim da sua vida. Entre os Estados Unidos e a União Soviética esgrimia-se um dramático braço de ferro e navios soviéticos dirigiam-se carregados de mísseis para Cuba. A guerra atómica estava à vista.

João XXIII dirigia-se a todos os homens de boa vontade, crentes e não crentes (o que numa encíclica acontecia pela primeira vez na história), “porque a Igreja deve ter em atenção o mundo sem confins e sem blocos e não pertence nem ao Ocidente nem ai Oriente”. Não deixou, contudo, de sublinhar que a paz é “uma aspiração profunda dos seres humanos de todos os tempos e só pode ser instaurada e consolidada no respeito da ordem estabelecida por Deus”. São quatro as linhas força que justificam os caminhos da paz: a centralidade da pessoa inviolável nos seus direitos; o universalismo do bem comum; o fundamento moral da política; e a força da razão e da fé inspiradoras da verdade.

Nestes últimos 50 anos os problemas e equilíbrios internacionais mudaram muito, mas os fermentos da encíclica de João XXIII permanecem actuais. A guerra nunca é uma fatalidade, daí o propor o reforço positivo da paz. As controvérsias não se resolvem com o recurso às armas, mas pela negociação. A ideia de paz como ausência de guerra está superada. Hoje já não temos muros de Berlim, mas há outros muros como os da pobreza e da fome, do egoísmo e do racismo; a ameaça da guerra atómica deu lugar ao terrorismo internacional. Há ainda outros desafios: fluxos migratórios, desigualdades económicas, culturais e tecnológicas, injustas e discriminatórias.

Mas também temos sinais positivos como o voluntariado de milhões de jovens por todo o mundo e tantas iniciativas em acção. Também a Igreja com o Concílio procurou adaptar-se às novas ideias e comportamentos na linha do optimismo do Papa João e da “Pacem in terris”, o que significou o primado da consciência religiosa em prol da paz. Encontramos na encíclica alguns fermentos vitais: a afirmação de que a paz se funda essencialmente na consciência da dignidade da pessoa e dos direitos humanos, e não no Estado, na etnia e na ideologia; a total condenação da guerra, dando por superada definitivamente a concepção de “guerra justa”.

João XXIII opôs-se à guerra como instrumento de justiça, à corrida aos armamentos, insistindo no termo das armas nucleares e no controlo eficaz do desarmamento. Importante foi a afirmação de um princípio que em 1963 parecia “revolucionário”: “Nunca se deve confundir o erro com quem erra. Mesmo o erro pode ser ocasião de descobrir a verdade. Das doutrinas e das ideologias falsas podem surgir movimentos históricos válidos, pois naquelas podem ocultar-se elementos positivos e meritórios. Aquilo que antes parecia não oportuno pode amanhã tornar-se em elemento fecundo. Mais do que pactos e alianças políticos, importa sim cultivar a paz interior sintonizada com a verdade.

 

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