Não fiquei admirado quando na semana passada assisti, numa sessão de teatro e num dos muitos momentos de interacção com o público, à eleição de uma criança presente na plateia como primeiro-ministro de um hipotético governo de Portugal. Todo o teatro foi unânime na escolha e eu achei estarem reunidos, naquele acto, os sentimentos da generalidade dos portugueses. Sente-se que o futuro, a existir com algo de bom, será para as gerações mais novas. E a descrença vai ao ponto de se baixar os braços e se considerar que nem vale a pena lutar, pelo que é preferível serem os mais novos a tentar algo diferente e que os beneficie. Por último, sente-se que até uma criança é capaz de liderar o governo actual. Pelo menos, não poderia fazer pior do que estes andam a fazer. Ninguém pode levar a mal uma brincadeira quando o cenário existente é o da apatia e indiferença associados a um vertiginoso descrédito da classe política.
A fragilidade de muitos dos actores políticos é tanta que a simples notícia da aparição de Sócrates no palco televisivo colocou em evidência as suas debilidades. Os apoiantes dos primeiros sentiram o perigo e desataram a gritar o seu descontentamento e a subscrever abaixo-assinados. Apesar de favoráveis à privatização da RTP tutelada por Relvas, mais parecia que preferiam a estação televisiva eternamente pública. Houve mesmo quem não descartasse um qualquer tipo de intervenção que impedisse a entrevista da passada quarta-feira. Foram as mesmas pessoas que com certeza sempre se indignaram com o alegado controlo e pressão exercidos pelos governos de José Sócrates sobre a mesma estação televisiva. As incongruências são óbvias, até no facto da grande fatia de políticos que gosta de responsabilizar os votantes pelas suas escolhas não querer que estes sejam sujeitos à influência de José Sócrates, não vá eles escolherem “mal”. Mas afinal, quem tem medo do comentário daquele que provavelmente foi o pior primeiro-ministro de sempre em Portugal? Desde logo, o actual primeiro-ministro que lhe pode roubar o título. A medida da consideração pela opinião de Sócrates é inversamente proporcional à desconsideração pelas actuações de Passos Coelho e acólitos. Se estes não fossem fracos, ninguém recearia o regresso de Sócrates, dono de uma licenciatura que se transforma em doutoramento quando comparada com a do ainda ministro Relvas.
A moção de censura do PS vai esta semana a votos e será depois comentada por José Sócrates. O mais do que provável chumbo parlamentar não vai impedir de alimentar a chama que aquece a panela de pressão em que se transformou o governo. Com o igualmente provável chumbo do Tribunal Constitucional fica, mais uma vez, seriamente afectada a relação democrática entre a sociedade civil e o governo. Para este chegar à 8ª avaliação da troika tem de ter sucesso no alargamento das maturidades do empréstimo na próxima reunião do Eurogrupo, a meio do mês. Logo de seguida, torna-se necessário fazer um esforço enorme para tentar restaurar um mínimo de confiança que legitime o exercício do poder. Para tanto, vai ser imprescindível ter no governo quem saiba explicar as medidas que têm de ser aplicadas e as alterações no rumo político imprescindíveis. Em direcção à conquista, dia a dia, da nossa soberania, feita com cimento de solidariedade e regada com educação. A bem da alma portuguesa, o programa político que a todos devia unir.
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