Em 2011 ninguém nos emprestava dinheiro e o país não tinha meios para as suas necessidades básicas. Chegávamos ao fim de uma trajectória de insustentabilidade. No dia 15 de Setembro muita gente esteve na rua, de forma silenciosa, digna, exigindo respeito. Estive na rua e vi muitos tipos de pessoas, essencialmente jovens. Fiquei intranquilo perante aquela manifestação genuína e imparável de vontade e determinação. Como dizia Viviane Reding, vice presidente da Comissão Europeia: “Feliz é um país que protesta com uma canção”.
No dia 2 de Março não estive na manifestação. Aquilo que vi, pelos órgãos de comunicação social, foi tristeza, desalento e descrédito na cara das pessoas. Parecia um povo resignado e que baixou os braços. Quando gritam “Que se lixe a TROIKA”, é um grito de desespero pela situação a que chegamos. No fundo estão a dizer, se interpreto bem:
Que se LIXE, e bem, quem fez com que a TROIKA viesse até nós!
Que se LIXE, e bem, quem conduziu este país a esta situação, como resultado de dezenas de anos de má governação, sem cuidar dos interesses e necessidades das pessoas. Gastando o dinheiro desta e das próximas gerações.
Que se LIXE, e bem, esta Europa sem valores liderada por gente sem dimensão e que coloca todo o seu esforço no LUCRO e no PODER.
Que se LIXE, e bem, quem não percebe que o que temos de fazer precisa de tempo para ser BEM FEITO, e tenta MAIS UMA VEZ tirar vantagens disso. Fazer depressa, com o SOFRIMENTO desnecessário, é só mais do mesmo que nos conduziu até aqui.
Que se LIXEM, e bem, os autores da fraude do BPN, e de todas as outras fraudes. E quem devia ter verificado e fiscalizado, e foi negligente. E quem não faz tudo o que pode para recuperar o dinheiro roubado.
Fazem e dizem isto com cantigas e com manifestações pacíficas, mostrando que são um povo nobre; um povo que vai para a rua de coração nas mãos. E faz todo o sentido.
Eu estarei sempre desse lado. Sem demagogia. Sem populismo. Sem mais ENGANOS.
E faço minhas as palavras de Miguel Torga “É impossível que o tempo actual não seja o amanhecer doutra era, onde os homens signifiquem apenas um instinto às ordens da primeira solicitação. Tudo quanto era coerência, dignidade, hombridade, respeito humano, foi-se. Os dois ou três casos pessoais que conheço do século passado, levam-me a concluir que era uma gente naturalmente cheia de limitações, mas digna, direita, capaz de repetir no fim da vida a palavra com que se comprometera no início dela. Além disso heróica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa. Agora é esta ferocidade que se vê, esta coragem que não dá para deixar abrir um panarício ou parir um filho sem anestesia, esta tartufice, que a gente chega a perguntar que diferença haverá entre uma humanidade que é daqui, dali, de acolá, conforme a brisa, e uma colónia de bichos que sentem a humidade ou o cheiro do alimento de certo lado, e não têm mais nenhuma hesitação nem mais nenhum entrave”.
(artigo também publicado no re-visto.com)