Países atingidos pelo escândalo da carne de cavalo

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JULIO MARQUES MOTA

Júlio Marques Mota

Uma peça dedicada ao meu amigo Gama, à sua égua, às crianças que a montaram. Já o sabíamos, mas o exemplo é mesmo muito revelador: entre os campos de pasto na Roménia e o prato de lasanha que a minha neta, Alícia Mota, come em Coimbra, esta “carne” terá percorrido cerca de 6500 quilómetros. Todos os produtos elaborados são transportados sobre distâncias que representam uma perfeita demência porque nada se paga de externalidades. De resto, a empresa Findus faz bem em sublinhar, e com que ironia agora isto se lê, que a carne de cavalo em si não faz mal a ninguém. O problema do nosso ponto de vista não é então o cavalo ou a vaca, é o modelo que isto permite ou que a isto conduz. O verdadeiro escândalo é este, está aqui, e não é esta a pequena golpada sem verdadeiras consequências para a saúde, como é o actual caso da carne de cavalo e de vaca, agora em discussão, o verdadeiro escândalo é o modelo produtivo e financeiro que está por detrás de tudo isto e que não pode nem deve ser ignorado sob pena de estarmos a ser cúmplices de crimes contra a sociedade. De criminosos já bastam os que andam pelos governos a desgovernar esta Europa pela qual e na qual todos nós nos sacrificamos.

Nesta crise da carne de cavalo encontramos como pano o de fundo e com que crueldade este se nos apresenta, o modelo económico e financeiro de base da União Europeia. Que os homens se matem em Atenas, em Portugal, em França agora, nada impede que o think tank que dá pelo nome de OCDE continue a destilar o veneno que está a matar a própria Europa, exigindo ainda políticas de maior endurecimento para o mercado de trabalho, menos benefícios sociais a quem já poucos tem, etc.. Mas a OCDE não é mais do que isso.

Curiosamente a história da carne de cavalo agora vem mostrar várias coisas. Que os cavalos também se abatem sabemo-lo da crise de 1929 e desse filme espantoso que dá pelo nome Os cavalos também se abatem onde as pessoas substituem na dança da morte, os cavalos. E, agora, com uma outra crise, os cavalos também se abatem na Roménia, na Irlanda, na Inglaterra, por razões diversas, entre as quais, o facto da crise varrer do campo das possibilidades da pequena burguesia o poderem ter o prazer de ter cavalos. Sai caro ter um cavalo

Sobre isto, não sei o que dirá o meu amigo Gama que apenas levou a minha neta duas vezes a andar na sua égua. Prometido estavam mais vezes, mas a crise alargou, aprofundou as mazelas da vida de cada um e a crise impôs o seu dikat à sua égua: vendida por falta de meios para a manter . Não sei se terá tido o destino desta égua ou não. O meu amigo Gama também não saberá, então.

Para além dos cavalos a história no seu significado vai bem mais longe. Milhares de quilómetros percorridos para chegar genericamente ao prato de quem tem pouco dinheiro para boa comida poder comprar. Com que cinismo pode ser entendida a afirmação de Erica Sheward da Universidade de Greenwich (Reino Unido) quando nos diz: “Como é que os consumidores que compram estes produtos de carne picada a 33 cêntimos podem acreditar que são feitos à base de carne de vaca?” Mas ponha-se a questão de uma outra maneira como é que os especialistas europeus conseguiam pensar que um prato de carne de vaca pode ser vendida a este preço? Especialistas? Onde?

Na Europa do Estado mínimo de que nos fala agora também o clown Passos Coelho serão necessário especialistas para assegurar a qualidade da comida dos pobres? Para darmos um outro exemplo, haverá especialistas e inspectores do mercado de trabalho a estudar a confirmar o enquadramento legal de quem trabalha, as suas condições de trabalho, haverá especialistas e inspectores a analisarem os horários de trabalho de quem trabalha, a estudar, a analisar a conformidade das remunerações de trabalho às tarefas exercidas? Não, claramente que não. Haverá especialistas, inspectores, a analisarem a problemática dos contratos de trabalho temporários, a estudar a rotação dos trabalhadores jovens usados como carne de canhão, e de cavalo já agora , no mercado de trabalho, rotação esta que leva a que muitos deles enquanto jovens nunca conhecerão o que é um contrato de duração indeterminada? Haverá? Não, e isto porque são também uma outra espécie de carne de cavalo, de cavalos a abater, igualmente.

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