Norberto Pires
“Portugal tem de ir aos mercados” é a frase do momento. Por tudo o que significa, mas essencialmente, por tudo o que esconde, esta é uma frase verdadeiramente pornográfica que exige a respectiva bolinha vermelha no canto superior direito.
Portugal financiou-se até 2011 nos mercados financeiros internacionais, seguindo uma trajectória de insustentabilidade. Em números redondos, o país endividou-se a um ritmo muito superior ao crescimento da economia: em 23 anos adquiriu uma dívida e 200 mil milhões de euros, enquanto o PIB passou de 46 mil milhões (1989) para os atuais cerca de 170 mil milhões de euros. Nesses 23 anos, Portugal recebeu ainda 61 mil milhões de Euros de fundos comunitários. Para que serviu todo esse dinheiro? Para criar uma ilusão de bem-estar e de desenvolvimento: financiar as obras megalómanas, os desastres financeiros de empresas públicas e bancos, os desvarios de governantes irresponsáveis, mas também pagar salários, financiar o estado social, a educação, a justiça, a defesa, as estradas, as piscinas, as rotundas, os pavilhões gimnodesportivos, as bibliotecas e museus… tudo… criando um monstro de infra-estruturas desnecessárias e desajustadas, que não vamos conseguir manter, e para as quais nunca se associou uma ideia credível de sustentabilidade (um simples plano de negócio). “Ir aos mercados” (= empurrar os problemas com a barriga) passou a ser uma espécie de vício imoral e uma irresponsabilidade, escondida de todos, que tapava também os deficits orçamentais.
Em 2011 os mercados deixaram de acreditar em Portugal: a dívida crescia muito mais do que a economia. Portugal teve então de pedir ajuda porque não era capaz de honrar os compromissos que tinha. Mas, mais uma vez, negociou mal e não pensou verdadeiramente em mudar de vida, em repensar-se como país, percebendo o passado, olhando para o presente e desenhando uma trajectória para um futuro diferente, necessariamente debatido com todos e com objectivos definidos onde o conceito de sustentabilidade fosse central. Ora, o resultado é assustador: temos de amortizar cerca de 120 mil milhões de euros nos próximos 8 anos, sendo que só 57 mil milhões de euros (~1/3 do PIB) têm de ser amortizados até 2016, sendo o restante até 2021 (fonte: boletim de dezembro de 2012 da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública).
Voltar aos mercados tem só como objectivo renovar os títulos de dívida em condições mais favoráveis, isto é, trocar títulos que vencem por outros que vençam daqui a uns anos (5, 10 ou mais anos) a taxas de juro mais baixas mas sem reduzir o montante da dívida. Na verdade, sempre que se renovam títulos, sem reduzir o capital em dívida, a dívida aumenta porque acrescem os juros. Para além disso, como todos os anos terminamos o ano com deficit orçamental (só em 2012 foram 5% do PIB, ou seja, mais cerca de 8.5 mil milhões de euros) temos de adquirir dívida nova. Os “investimentos” (aspas são intencionais) que fizemos com a dívida gerada não nos deixaram, na maioria das situações, mais fortes, mais competitivos e com melhor capacidade de crescer e reduzir com o excedente gerado o montante da dívida: antes pelo contrário, muitos dos “investimentos” constituem encargos inaceitáveis para o futuro. É por isso que estou muito preocupado e não grito hossanas com o regresso “aos mercados”, apesar de reconhecer as vantagens. Vejo Portugal numa espiral de endividamento e não sinto que se percebe bem o problema em que estamos metidos. E isso, desculpem, é pornográfico.
(artigo também publicado no re-visto.com)