“O estadista das democracias é sempre o escravo das multidões. Pode não fazer o que elas reclamam. Mas tem que dizer-lhes sempre o que elas querem.” Carlos Malheiro Dias
Esta citação é a de um homem comprometido com a monarquia. Nos dias de hoje, cerca de 70 anos após a sua morte, a monarquia usa o mesmo discurso político.
Transcrevo hoje uma parte de um texto, “colóquio com um monstro”, que, de alguma forma, para não dizer de “toda a forma”, se adequa aos nossos dias. Aliás, o mundo pouco mudou.
– O talento move montanhas, mas quem se utiliza do talento não é, em geral, aquele que o possui, mas os seus parasitas. Ah! Que imensa desgraça é ter talento, quando se não nasce com garras para o defender! Os senhores, homens da pena, são os maiores movimentadores da riqueza, e são pobres. Nada de útil se faz com os senhores.
-Nós o sabemos… afirmei.
– Que ilusão! Os senhores contentam-se com o orgulho de o reconhecerem, mas são os eternos inocentes, os operários assalariados, que trabalham para a fortuna dos outros. Sei bem que cada jornalista, cada escritor se julga um estimulador de atividades e de energias. Os seus cérebros são os motores da vida moderna. Mas o motor produz para os outros!
– Sim, talvez… concordei
– Conheço os escritores. Não sabem ter a ambição fecunda. Ignoram que a ambição é o maior estímulo humano. Durante muitos anos, explorei-lhes o talento, a vaidade e a candura. Não há como lidar com idealistas. São dóceis ovelhas de sacrifício. Conduzem-se como crianças. Deixam-se sugar e matar resignadamente por quem os explora. Podemos torturá-los à vontade. Que imensa desgraça é ter talento. Amontoei muitos milhões à sua custa. Fui jornalista sem saber escrever. Fiz a escravatura do talento. O homem que me deu milhões a ganhar esvaziou o cérebro. Outro, deu um tiro na cabeça! Sou um celerado? Não. Sou apenas um homem com aptidões para ganhar dinheiro. Uns devoram…outros são devorados.
-Tudo isso está dito há muito tempo, observei enfastiado.
-É a vida, disse o monstro!
– É o crime, retorqui.
– O crime é uma abstração convencional. Não há crimes. Há conveniências, necessidades, interesses e uma formidável “FATALIDADE” governando o mundo. Os piores crimes são os que se calculam, preparam e perpetram sem derramar sangue, durante anos. Por uma quantidade de dinheiro tem de sacrificar-se tudo, até a honra. A honra é uma inutilidade para os pobres. Porque me encara assim? Que ideia faz de mim?
– A de um bandido, respondi.
– Quando se têm muitos milhões não se é um bandido!
– E os remorsos?
– Remorsos inteligentes… A lágrima é a maior inutilidade da natureza. O senhor pode dizer-me para que serve a lágrima? Uma inutilidade, tal como o apêndice! Desde que cheguei que o desejava conhecer. Percebi que é um homem de letras. A forma como olha as coristas, percebo que não é rico. O olhar do homem rico não consulta a mulher. Chama-a.
Não há nada de mais ilusório e contingente do que a verdade, e coisa alguma mais ajuizada do que a dúvida.