Opinião – O roubo de meninos

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Massano Cardoso

Certos acontecimentos causam-me estranheza e incompreensão, e, por mais voltas que dê, não consigo encontrar justificação para os mesmos. É certo que os seres humanos são todos diferentes uns dos outros, física e intelectualmente, isso é bom, mesmo desejável, desde que não implique a adoção de atitudes que possam provocar dano nos seus semelhantes.

Em Espanha o fenómeno dos meninos roubados à nascença é uma das maiores obscenidades que pode atingir uma sociedade merecedora de algumas reflexões. Cerca de 300.000 pessoas terão sido atingidas por um processo de falsas adoções e compra de bebés. Tudo começou com a guerra civil em que eram retiradas às combatentes republicanas presas os seus filhos para serem entregues às famílias franquistas. Uma estratégia maligna, castigar as republicanas e “nacionalizar e cristianizar” os pequenos. Lentamente o sistema “aperfeiçoou-se” com a retirada das crianças aos pais sempre que estes necessitassem de socorrer das instituições públicas. A situação tornou-se mais complexa com o tempo, beneficiando muito provavelmente com estas práticas, quando passaram a retirar às mães as crianças à nascença, informando-as de que as mesmas tinham falecido. Uma prática que começou a ser denunciada com casos de filhos que encontraram os pais biológicos mais de quarenta anos depois. Tenho acompanhado muitos casos. Uma obscenidade sem paralelo. Cada vez que leio estas notícias arrepio-me. O homem é capaz de coisas inimagináveis. Esta, a de roubos de crianças à nascença, é uma delas. Muitos da roubos foram feitos sob a alçada da cruz ou apadrinhados por instituições religiosas, ou seja, por quem deveriam respeitar a dignidade e os direitos humanos. Uma perversidade que me incomoda, sempre que leio os relatos. Calcula-se que 15% das adoções ocorridas entre 1960 e 1990 sejam deste cariz.

A justificação dada por um grupo de freiras, entregar a famílias ricas e sem filhos crianças roubadas à nascença, é algo de diabólico traduzindo incoerência no pensamento e na prática de quem se esperaria o oposto.

O pensamento dos intervenientes nesta epidemia silenciosa, que tanto sofrimento terá produzido em muitas famílias, baseia-se numa pretensa superioridade moral, ao escolher os “melhores” pais para determinadas crianças. Um propósito “superior”, a que não era alheio proventos económicos nada pequenos. Ponho-me a pensar o que terão sentido e sentem os protagonistas destes crimes, deverão sentir-se bem, reconfortados mesmos, porque cumpriram uma missão ditada por princípios sob os quais pratiquem o que praticar estão sempre certos, legitimados até pelo poder divino. Assim nasce a intolerância e a pretensa superioridade de alguns.

A espécie humana desagrega-se a olhos vistos, originando sub espécies culturais, cujo radicalismo é manifesto. Não é difícil profetizar o que irá acontecer no futuro, conflitos muito graves agravados pelo encolhimento do planeta, cada vez mais pequeno e cada vez mais cheio de ódio.

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