Opinião – Invasões

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Aires Diniz

Quando caminho pelas ruas das nossas cidades parece que uma invasão de bárbaros fechou as lojas, os armazéns e as oficinas, deixando um rasto de destruição e de lixo. Olho pelas janelas das lojas fechadas e vejo tetos caídos. Arrepio-me e penso que aqui trabalharam pessoas que um estranho capitalismo desalojou e empobreceu.

Nada me alegra, nem me permite ter qualquer laivo de graça que se pareça com o que alguém disse: “Na fração de século que vivemos, duas invasões se fizeram sucessivamente sentir em Lisboa, com extraordinária impetuosidade: a dos Doutores, raça eleita dos deuses, superior e doutrinária, vinda dos píncaros da acrópole de Coimbra, e a dos Provincianos, que após a Grande Guerra, marchou sobre Lisboa, à conquista das suas cobiçadas riquezas.” 1

Nem sequer me parece que a forte urbanização, que fez crescer as cidades a partir dos anos 1950, tem algo a ver com as placas de vende-se que recentemente as invadiram. Estranhamente, nos centros comerciais, encontramos muitas lojas fechadas e nem as Casas de Sopas, que eu chamo ironicamente a sopa dos pobres, se aguentam. Fecharam.

Infelizmente, ninguém quer pensar as razões que levaram a esta desanimadora realidade. Os mais ativos falam da vinda de Merkel com ironia como se ela fosse culpada do que nos está a acontecer. Fala-se da Tróica como uma trindade diabólica. Esquece-se de que, entre nós, outros tudo fizeram para que ela fosse necessária (???). Alguns até falam de inevitabilidades. Mas, quem foi olhando para a Governação dos últimos anos e para uma justiça que não funciona e não a corrige, sabe bem como tudo resulta de um deixa andar displicente de gente medíocre. Foi o que, coletivamente, nos obrigou a aceitar tudo como natural. Se o recordarmos e raciocinarmos sobre esta nossa passividade, somos obrigados a concluir que está identificada a causa do nosso empobrecimento: a má governação, que insiste e persiste neste mau caminho. Nem sequer temos de pensar que alguns, para além da inexistência de uma formação adequada, têm mostrado um constante mau caráter.

Por outro lado, revendo a teoria económica, verificamos que aquilo que nos vai sendo dito como verdade, nada mais é do que uma balela repetida até à exaustão. Para a desfazermos como obstáculo à nossa ação esclarecida, basta vermos como temos cada vez menos estado social e cada vez mais dívida pública. Nem sequer temos necessidade de ler os livros que nas livrarias nos explicam que não é o Estado Social que causa o deficit. Sabemos que é o comportamento desatinado do capitalismo financeiro que, em muitos casos, se mistura com o crime organizado.

Não nos deixemos por isso invadir pelo desânimo.

Tudo o que legitimamente desejamos é possível.

 

1 Armando Ferreira – A Família Piranga – Crónica duma família provinciana em Lisboa, Livraria Editora Guimarães & C.ª, Lisboa, 1939, p. 6.

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