Entrou ontem em vigor mais uma nova Lei do Arrendamento Urbano. Como toda a lei portuguesa que se preze, não consegue entrar em vigor na sua totalidade, pois faltam-lhe decretos regulamentares essenciais. À boleia da reavaliação dos imóveis, consegue-se complicar a vida aos senhorios e aos inquilinos. Não lhes vai ser fácil saber com que linhas se hão-de coser. Para facilitar, quer-se tirar os tribunais do enredo. Estes parecem ser persona non grata em Portugal. Daqui a nada, estão ao nível dos advogados. Pelo meio, e depois de desgraçarem os notários, oferecem-lhes a “esmola” dos despejos.
Muito do previsto na lei vai funcionar online, o que é moderno e cool, especialmente para ser usado como meio de despejo, comunicações de obras e negociação das rendas, atingindo por isso muitas pessoas que não têm internet, computador e mal conseguem pagar os óculos para ler. Não sei bem porquê, mas esta lei parece-me do tempo do Sócrates. É uma lei porreira, pá.
Quando um dia existir, vamos ter que nos habituar ao Balcão Nacional de Arrendamento, uma espécie de balcão online para apresentar queixas e mediar conflitos. Sem tribunais, advogados e papel. Porreiro. E como é isso do aumento das rendas dos contratos celebrados antes de 1990? É negociar. Parece fácil, não parece? Proposta, resposta, contra-proposta e, voilá, temos novo contrato. Porreiro.
Também eu gostaria de pegar nos contratos que tenho anteriores a 1990 e numa lei a dizer que os posso refazer. Isso não é bem negociar, porque falta um elemento essencial para uns e dispensável para outros – a liberdade. Afinal, vamos ser obrigados a negociar porque a lei permite que uma das partes altere a vontade que um dia livremente fixou. Porreiro. Nada melhor que uma negociação viciada, que só pode conduzir ao aumento da renda (ou ao despejo). Em tempos de austeridade, é isso que mais importa. Pagar rendas mais altas que permitam cobrar mais impostos.
Para além do BNA que não existe, vamos ter de saber o que é o RABC e o RMNA, que vão limitar a subida do valor das rendas durante o período de cinco anos para as famílias mais carenciadas (valores que só estarão disponíveis aquando da próxima liquidação de IRS). Considerando que a Merkel anunciou que a austeridade está aí para ficar pelo menos mais 5 anos, fácil será de concluir que os RABC mais baixos vão para o olho da rua. Tão simples quanto isso.
Brinca-se aos contratos e às leis, falta-se ao respeito às profissões e às pessoas e, nas matérias que também fazem a diferença para muitas famílias portuguesas fica-se muito aquém do possível. Os suicídios e o quase meio milhão de famílias “despejadas” às costas da suposta liberalização são notícias, por enquanto, espanholas. Por cá, aguardo a medida do despejo por SMS. Essa é que era porreira, pá.