Opinião – Não há gelados grátis

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Francisco Queirós

Anderson Fernandes, português, 22 anos, vive em Manchester desde criança. Agora arrisca-se a ser deportado para Portugal, onde só viveu quando era bebé por um par de anos depois de ter saído com os pais de Angola onde nasceu.

Anderson, durante os motins que agitaram a Inglaterra no verão do ano passado, roubou um gelado. Ele próprio relata o caso que mudou a sua vida: ”entrei na loja porque as luzes estavam acesas e a porta aberta. Entrei para comprar qualquer coisa. Mas quando estava lá dentro percebi que não havia ninguém, por isso servi-me na máquina de gelados, tirei um gelado e saí.” E acrescenta: ”Quando cheguei cá fora, comecei a comer, mas era de café e decidi deitá-lo fora. Uma rapariga que estava perto disse ‘se não gostas, dá-mo’. Então fui até à paragem do autocarro e fui para casa.”

Anderson admitiu o roubo dias depois deste incidente de Agosto de 2011 em Manchester, quando a polícia lhe disse ter encontrado o seu ADN num cigarro no interior da pastelaria. Anderson Fernandes, sem qualquer antecedente criminal, foi exemplarmente condenado a 16 meses de prisão, o que lhe pode agora valer a deportação para o país de origem, Portugal, que não conhece, e o impedimento de entrar no Reino Unido por 10 anos. A justiça foi célere e implacável. Estavam em causa tumultos inadmíssiveis.O juiz distrital foi claro:”o dever público de lidar de forma rápida e severa com assuntos daquela natureza”.

Fernandes foi mais um, entre muitos que pisaram o risco. A ordem prevaleceu face à desordem. A justiça britânica impôs-se, sem perdão, à arruaça. Afinal, o poder judicial julga. E o poder pode.Fernandes não partiu montras, não destruiu absolutamente nada. Roubou um gelado. De café e não gostou.

Mas Anderson Fernandes não sabia que não há gelados grátis. Tal como os iogurtes ou os frascos de champô furtados em hipermercados. Ou pães para comer desviados de padarias no país de origem de Anderson. Lá como cá, a justiça é célere e implacável com os furtos de alimentos e outros géneros. No caso de Anderson até se tratou de um bem supérfluo. E não há e nem pode haver gelados grátis.

O roubo do gelado de café num cenário de desordem no Reino Unido valeu ao jovem de origem portuguesa uma pena com uma gravidade raramente aplicada e com consequências dramáticas para a sua vida.

A história passa-se no reino de Sua Magestade, a mesma nação que há anos acolhe Vale e Azevedo, o advogado e empresário que talvez tenha tido a sorte de nunca ter roubado um pastel de nata ou um simples “scone”. De outro modo já teria visto como elas mordem.

O juiz britânico julgou e deixou um recado. A sua marca distintiva. Revoltas, tumultos e populaça em desordem nas ruas resolvem-se com exemplaridade. Punem-se os desordeiros, mas também os incautos que à boleia da desordem se atreverem a papar gelados. E não há gelados grátis. A pena de Manchester poderia ser um caso único. Mas não é. Nos tempos conturbados que ainda mal começaram, na Inglaterra, na Grécia ou em Portugal os gelados poderão custar os olhos da cara. Não são grátis. Atrevam-se a tocar-lhes…

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