Opinião – Santos e pecadores

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Ao longo dos últimos doze meses vimos assistindo em Portugal a uma crescente e, diria eu, deliberada degradação da imagem do poder local.
Ou porque há autarquias locais em número excessivo e, por isso, geradoras de despesa pública desnecessária.
Ou porque, numa deriva incontrolável, criaram entidades de âmbito municipal excessivas em número e em remunerações.
Ou porque, acometidas de irresponsabilidades várias, prestam serviços a custos baixos ou optam por fixar taxas fiscais mais baixas.
Recentemente, e como que saindo do nada, a opinião pública foi “informada” que a água era vendida pelos municípios a preços muito baixos, pelo que era necessário que tal actividade deixasse de ser municipal e o preço aumentasse várias vezes.
Por fim, qual cereja no topo do bolo, “descobriu-se” que as autarquias locais tinham contraído dívidas excessivas pelo que era necessário “resgatá-las”. Resgate que, pelos vistos, apenas se aplicará a 45 municípios, num total de 308.
Para percebermos o que estará em caus, e fazendo fé na informação recentemente publicada, atentemos nos municípios do distrito de Coimbra, que com os seus 430 000 cidadãos, terão um passivo total de 307 milhões de euros. Como todos teremos presente exemplos de outras regiões e de outros níveis de administração, estamos entendidos quanto à sua dimensão relativa.
Por outro lado parece que só a Carris deverá cerca de 700 milhões de euros!
Aliás, a nossa Constituição estatui, a propósito, o seguinte: “a tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei.”
Quer-me parecer, por isso, que ou os comportamentos das autarquias locais são censuráveis do ponto de vista do mérito e os únicos juízes que os podem julgar são os cidadãos nas eleições, ou são censuráveis porque ilegais e os únicos juízes que os podem julgar são os togados.
Certamente que, como em todas as organizações humanas, também nas autarquias não existirão só santos, ou só pecadores. Sei, por experiência própria, que a proximidade pode tirar frieza e racionalidade a algumas decisões.
Parece-me, no entanto, que o que começa a estar em causa é a autonomia política da administração local e a sua afirmação plena enquanto expressão do auto governo das comunidades locais.
Posso estar enganado e, até, a ser injusto, mas começo a acreditar que o discurso vigente visa essencialmente legitimar a existência de uma administração supra municipal, sem legitimidade eleitoral, que, por isso, não tem obrigações de prestar de contas, não tem rosto nem programa, em suma mais dócil e menos ambiciosa.
Será assim?
Por uma vez, e contra o que é meu hábito, gostava de ser desmentido.

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