Opinião: Débito indelével à Grécia

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José Ribeiro Ferreira

Nos últimos tempos tenho-me surpreendido a refletir, com frequência, sobre o que seríamos nós sem a Grécia, sem a sua realização histórica e cultural – ou seja, sem o seu fecundo legado. A Hélade antiga legou-nos – ou dela recebemos por muitas vias – valores intrínsecos de grande relevância humana. E a sua cultura é rio que corre há mais de dois mil anos sem cessar, nunca o mesmo e nunca igual.

São termos e conceitos correntes, temas e personagens, mitos e figuras históricas ou lendárias – relembrá-los todos seria fastidioso e encheria páginas sobre páginas – que nos batem à porta ou nos banham os pés, sem anúncio ou hora de aviso.

Retomados e reescritos, ora informam e dão corpo a obras inteiras, ora aparecem em alusões fugidias ou mais extensas. Em aluviões constantes transmitidos ao longo dos tempos, adubam os produtos e criações da mente humana, sempre novos, sempre outros. E o baú da memória da humanidade recolhe os estratos sucessivos que aí ficam depositados e aí permanecem pujantes e vivos, sempre prontos a ser desfiados à mínima alusão ou associação.

E percorre-me o espírito a preocupante dúvida do que poderia ser hoje a Europa, se a Grécia não saísse vencedora na Batalha de Salamina ( 480 a.C.), no conflito que teve com a Pérsia, e se a força das armas acabasse por pender para o lado desta.

Naturalmente a primeira ficaria sob o jugo da segunda, como parte do seu império. E submetida assim à Pérsia e tornada sua satrapia, num momento em que ainda não produzira as grandes criações e realizações do seu pensamento, da sua arte, da sua literatura – e a mente não cansa de trabalhar nem posso deixar de o recordar –, que teria acontecido à Europa e como seria ela hoje? Como pensaria, como sentiria, como olharia as coisas, animais e pessoas? Como perante eles agiria e que gostos teria? O que seria a teoria, terminologia e pensamento políticos? Que teor e pendor apresentaria a filosofia, quando Heidegger afirma que toda a filosofia fala Platão, ou que caraterísticas marcariam a Literatura, sem o legado dos Poemas Homéricos e de poetas gregos, como Alceu, Safo, Píndaro? Que teatro teríamos agora, se não houvéssemos beneficiado da criação da tragédia e da comédia gregas, das obras de Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes?

Que caminhos teria percorrido a nossa arte, em especial arquitetura, escultura, pintura? Ou que história da ciência faríamos hoje e de que cientistas exaltaríamos o nome ou as descobertas, sem os pensadores gregos, em especial no domínio da astronomia e da matemática – matéria em que a geometria euclidiana vigora ainda?

Ao fim e ao cabo, como seríamos hoje e que cultura nos alimentava? Não sou capaz de fazer sequer uma ideia, embora tenha a absoluta certeza de que não éramos o que somos. Por outro lado, a Grécia foi a primeira a ter a noção exata da Europa como todo, a enunciar os valores que a distinguiam dos outros continentes, em especial da Ásia, como o mostram a obra de Heródoto e os Persas de Ésquilo.

Por isso sinto íntimo incómodo em pensar a Europa sem a Grécia. É como pensar uma fonte ou um rio sem água. E o mal estar cresce, quando penso que, para apreciar as obras de arte da Hélade antiga e assim cultivar e afinar gostos artísticos, houve e há que visitar museus que não se situam nesses país, porque muitas das suas criações e realizações se encontram espalhadas por museus de todo o mundo, em especial da Europa, onde chegaram nem sempre pelos caminhos mais lídimos.

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