É hoje (sábado) homenageado na Lousã. Como vê esta homenagem?
Com um orgulho extraordinário. Nunca imaginei poder vir a ter o meu nome num estádio.
É justo o reconhecimento?
Se contabilizar todas as horas e as centenas de noites que passei em claro; as preocupações com a constituição de equipas para jogar aos fins de semana, sem telemóveis nem internet. O tempo que desviei da família para desenvolver e promover este desporto de eleição. Claro que tenho de reconhecer, sem falsas modéstias, que é justo.
Portanto, o saldo final é positivo, a avaliar pela emoção com que fala desses tempos?
Sem dúvida. As alegrias que tive com os amigos que fiz um pouco por todo o mundo e no nosso país, que são imensos, contrabalança de forma muito positiva todas essas dificuldades e transforma-as em balanço positivo.
É o râguebi que está na origem de tudo. Quando começa essa paixão?
Eu estreei-me na Académica em 63, onde joguei durante mais de uma dezena de anos como atleta sénior. Entretanto, já trabalhava na empresa. Aliás, só ia duas vezes por semana às aulas na universidade, em Coimbra. Exatamente, às quartas e sextas que coincidiam com os treinos na Académica. Todo o restante tempo era dedicado às empresas, que eram diversas, em conjunto com o meu pai. Em 71, quando regresso do Ultramar, mesmo continuando a jogar na Académica e a trabalhar aqui na empresa, tentei lançar o râguebi na Lousã. O que foi tremendamente difícil.
Por falta de apoios?
Mais por desconhecimento. Ninguém conhecia uma bola de râguebi, não era fácil andar na rua a pedir aos miúdos para jogarem este desporto, e também não tinha sequer nesta terra um grupo sénior a quem desafiar para constituir um clube. Eu era o único. Mas a paixão era grande e como eu podia, tomei a decisão de dar aulas de educação física na escola preparatória. A minha primeira aula, no dia 25 de outubro, de 73, é um marco histórico na minha vida. Entrei e mostrei uma bola de râguebi a um grupo de 30 miúdos. Recordo-me que a primeira reação foi muito engraçada. Como nunca tinham visto nada igual acharam que o professor era maluco e tinha levado uma bola de futebol defeituosa. Mas foi a semente para o que temos hoje na Lousã.
E imaginava, na altura, que o sucesso poderia ser este?
Não. Até porque nas primeiras reuniões que tive com os meus amigos e com a federação em Lisboa, a ideia era produzir jogadores de râguebi na Lousã para que depois integrassem as equipas de juniores da Académica. Na altura, não acreditava que seria possível a Lousã ter uma equipa de râguebi. Mas, entretanto, o clube foi constituído e, passados três anos, tinha uma equipa de juvenis e, passados cinco, uma de juniores. Em 81, passados oito anos, todos estes pequeninos mais os atletas que, entretanto, se foram juntando ao clube, que se organizou com todos os órgãos dirigentes, transformaram o sonho em realidade.
E que apoios teve?
Na altura, praticamente, não havia apoios. O único grande apoio e que acabou por ser decisivo, foi o facto da Câmara da Lousã ter sido a primeira no país a ter transporte para as coletividades. Uma carrinha que as Alcatifas Petróleo ofereceram à autarquia. Mas o futebol tinha prioridade sobre as outras coletividades. E aconteceu muitas vezes termos jogos fora, usarmos a carrinha para os atletas, mas ter que arranjar transporte para o Lousanense.
Hoje as coisas não são tão difíceis?
Não. Evidentemente, se quisermos ter uma equipa com alguma competitividade, tenho que ir buscar jogadores, normalmente estrangeiros, que eu aproveito, também, para treinarem as equipas mais jovens. Estamos há muitos anos na primeira divisão, um escalão que está perfeitamente ao nosso alcance. No ranking nacional, estaremos aí entre o 10.º e o 12.º lugar.
E em termos financeiros?
Em termos financeiros, temos o apoio da câmara. Mas, como é óbvio, o principal apoio foi sempre do Licor Beirão e o meu próprio.
Como reagiu o seu pai, na altura? Afinal, não deixava de ser um investimento sem retorno e ainda o afastava da empresa.
O meu pai era, na verdade muito possessivo comigo e, por vontade dele eu estaria oito dias seguidos a acompanhá-lo na empresa, não vendo, por isso com bons olhos as minhas saídas com as equipas. Mas, recordo-me de uma história engraçada que marca, estou certo, a mudança de opinião em relação à minha dedicação ao râguebi. Um dia, o meu pai estava na fábrica e há um senhor que se aproxima dele e lhe pergunta por mim. A resposta foi direta: “deve andar por aí na vila a tratar de algum assunto do râguebi”. O tal senhor vira-se para o meu pai e lembra-lhe que, se calhar até é melhor andar preocupado com o râguebi do que andar metido no jogo, na droga ou com mulheres. A verdade é que a partir dessa data o meu pai nunca mais me voltou a pressionar com o râguebi. Entendeu que todos temos as nossas paixões. E que é bom saber vivê-las… com paixão, como ele próprio fez.
Mas também jogou futebol?
Fui atleta no Lousanense. Estreei-me com 17 anos.
Porque é que opta pelo râguebi?
Andei durante quatro anos a jogar em simultâneo, futebol e râguebi. Mas só quem passa pelo râguebi é que pode compreender a diferença que há. É algo fantástico, o espírito é completamente diferente, os amigos são completamente diferentes.
Onde se encaixa o Licor Beirão?
Definitivamente a seguir à família e antes do râguebi. Quem me conhece sabe que eu tenho a família acima de tudo. Depois o Licor Beirão e o râguebi.
Mas estas duas paixões ainda que em segundo e terceiro lugar, roubaram muito tempo à família. Como conciliou tudo?
Bom. Reconheço que nem sempre foi fácil. E, por isso, sem exagero garanto que este momento que estou a viver se deve a uma única pessoa, à minha mulher. Se em algum momento ela me dissesse a família ou râguebi eu não teria dúvidas. Parava no dia seguinte. Mas ela foi sempre aceitando a minha dedicação ao râguebi. Eu ia dizendo que aquele era o último ano e que as coisas já estavam encaminhadas. Mas no ano seguinte lá estava eu de novo.
Mas houve “negociações” amigáveis?
Teve que haver. Em 79, quando tivemos o quarto filho, o Ricardo, as coisas complicaram-se. Afinal, aos fins de semana eu nunca estava e ela tinha que tratar dos quatro sozinha. E foi, talvez, a altura em que a Fernanda começou a encostar-me à parede. Nessa altura fiz-lhe uma contraproposta. De outubro a maio, todos os fins de semana são meus, à exceção daqueles em que não terei râguebi. Mas de maio a outubro todos os fins de semana serão para a família.
E funcionou?
Foi fantástico. É verdade que tive que ir muitas vezes a casa dos meus sogros, tive que ir à praia, que não suporto. Mas os dois cumprimos religiosamente este acordo durante uma meia dúzia de anos.
Pelo caminho, foi transmitindo a paixão do râguebi aos filhos.
É verdade. Todos eles, excetuando a Raquel, foram jogadores de râguebi. Dois deles foram internacionais. E aí, sou eu que tiro, de novo, um enorme dividendo do râguebi. O facto de ter voltado às classes juvenis, permitiu-me acompanhar os meus filhos.
Depois da família o Licor Beirão. Soube desde sempre que seria o continuador do seu pai à frente dos negócios?
Naturalmente. Fui criado aqui dentro e a passagem de testemunho foi feita naturalmente. E, nos últimos 10 anos de vida, ele era mais um conselheiro. Aliás, como eu começo a ser para os meus filhos. E quem não fizer assim, não deixa evoluir as empresas. Quem pensar que tem a sabedoria toda e que não precisa dos mais novos, está redondamente enganado.
E foi fácil habituar-se à ideia de substituir o pai à frente do negócio da família?
Durante muitos anos vivi preocupado porque pensava que um dia, quando o meu pai deixasse de estar entre nós, eu se calhar não seria capaz de continuar o crescimento sustentado do negócio. Por outro lado, nos últimos 10 anos dele, o negócio já era praticamente assumido todo por mim. Foi aí que me comecei a libertar mais e comecei a perceber que essa preocupação não tinha razão de ser, que essa transição ia ser fácil e que mesmo sem a presença dele, o negócio iria continuar a crescer. E tive a sorte de coincidir o decréscimo da sua atividade com a chegada dos meus filhos. Dá-se uma transição que é frutuosa para a empresa e que se nota no seu crescimento e na sua afirmação.
Essa preocupação tinha a ver com o achar que não tinha jeito para o negócio ou que era difícil substituir um homem como José Carranca Redondo?
Talvez as duas coisas. Jeito para o negócio eu até tinha. Mas achava que era mais um tecnocrata e que não teria a perspicácia e o feeling que ele tinha para o negócio. No final de contas, eu sabia que era o fruto do que tinha aprendido com ele, mas que não teria o seu jeito. E de facto não tenho. Mas também sentia que fazendo um trabalho intenso e rigoroso, o negócio iria crescer, e os resultados estão à vista.
Foi, então, uma passagem de testemunho tranquila?
Foi uma passagem de testemunho natural. É claro que ainda há decisões em que me faz falta não poder recorrer à sua experiência. Mas, as coisas seguiram o caminho natural como, aliás, acontece agora comigo e com os meus filhos.
Esta segunda passagem de testemunho também é pacífica?
Completamente. E até com mais facilidade entre nós do que do meu pai para mim. Até aos últimos dias da sua vida, eu passava muito tempo a explicar-lhe tudo, como funcionavam as coisas e como eram feitas, para onde iam e como vinham. Hoje, a empresa tem uma gestão mais moderna, até pelo envolvimento dos meus filhos.
Da parte dos filhos também houve desde cedo a noção de que seriam os continuadores?
Sem dúvida que sim. Tal como eu, também eles foram criados aqui e cedo se habituaram a este ambiente. Aliás, como já acontece com os meus netos. Eles andam por aqui e até já me fazem relatórios de forma engraçadíssima. É normal que andem por aí a estragar, mas é isso que lhes dá a cultura da empresa como aconteceu com os pais. Isto permite que um dia, se os meus filhos assumirem o comando dos negócios, como tudo indica, os funcionários, em particular os mais antigos, os vão aceitar e às suas decisões de forma natural. Nunca serão olhados como os filhos do patrão que foram tirar um curso ao estrangeiro e que regressaram para mandar
Como explica o sucesso de uma empresa familiar num mundo global e em crise?
O sucesso deve-se, sobretudo, à continuidade que se soube assumir dentro da nossa família. Do meu pai para mim e, agora, de mim para os meus filhos. Nós não vemos o Licor Beirão como um negócio pontual em que queremos ganhar tudo agora e não pensar no futuro. Pelo contrário. Esta é uma marca que alimentamos e promovemos diariamente com o espírito de lhe dar continuidade para os nossos netos, enquanto investimento para muitas gerações.
Está preparado para se afastar da empresa?
Confesso que não. A verdade é que a fábrica abre às nove e eu às oito e meia já cá estou. Todos os dias.
Como fazia o seu pai…
Como fazia o meu pai. Todos os dias, à semelhança dele, sou o primeiro a chegar e, muitas vezes, o último a sair.
Mas hoje já não precisa de “negociações” em casa?
Não. Hoje a minha mulher está reformada e é a minha grande companheira. É uma companhia fabulosa. Para além de podermos ter diariamente, à nossa volta, os netos. E não me custa dizer que sempre que tenho alguma coisa que me preocupa na fábrica, saio e vou ter com eles. Fico no céu.
Ainda tem projetos?
Muitos.
Para o Licor Beirão?
Sim. Embora alguns já estejam a avançar. Projetos meus, mas sobretudo, dos filhos que eu aprovo e quero ajudar a realizar, dando-lhe, no entanto, a máxima responsabilidade e liberdade de atuação. Só assim é que eles crescem.
O que diria a alguém que está interessado no mundo dos negócios?
É fundamental acreditar naquilo que se está a fazer. Muita perseverança que era o que o meu pai tinha. Era um teimoso de todo o tamanho, incapaz de desistir, ao contrário de muitos de nós que à primeira contrariedade, baixamos os braços. Razão por que tivemos uma vintena de grandes bons negócios. Fomos os primeiros na fibra de vidro, líderes na publicidade ao longo das estradas, fabricámos sinalização rodoviária. Éramos a única empresa da Europa a fabricar material refletor. Eu fui o criador do líquido refletor cinzento usado nas estradas e fornecedor de Espanha e França.
Mas hoje o Licor Beirão é a alma do negócio?
Hoje é o único negócio, com todo o marketing e publicidade que exige. Neste momento, já com uma empresa distribuidora própria.
E está em quantos países?
Diretamente, exportamos para cerca de 40 países. Mas o Licor Beirão estará em mais de 80 países. Onde há um português, há um Licor Beirão.
É apreciador do Licor Beirão?
Não há como não o ser.