Francisco Queirós
A sentença foi aplicada e é implacável e irrevogável. Os portugueses andam há muito a viver à tripa-forra. “Mãe, temos frango para o jantar!? Não vivemos acima das nossas possibilidades? Uma sopinha era o que era, não?”
“Então por cá? Deixaste a universidade? Ah, os teus pais não conseguem manter-te a estudar em Coimbra… Pois, mania de que todos podem ser doutores. Vocês andavam a viver acima das vossas possibilidades!”
“Os vizinhos do segundo esquerdo é que a levam direita! Recebem o “rsi” e a pensão de invalidez. Uns sortudos!” “Andamos para aqui a passar dificuldades e o do quarto andar a receber subsídio de desemprego? Ah, já não recebe? Deixá-lo, recebe a mulher! Como é que o país não há de estar em crise!”
“Oh, esses! Esses têm bons empregos! Ela recebe o salário mínimo e ele até recebe mais que isso! Esses estão muito bem! É por esses e outros que isto está como está?”
“Ah, a vizinha compra costeletas? Não sei como o dinheiro lhe estica! O seu deve ser fêmea!” “Aquilo é uma pouca vergonha! Ainda ontem lá fizeram uma festança em casa. Os anos do filho? Talvez! Só eu vi entrar lá para casa três ou quatro pessoas, e ouvia-se música e tudo! E o carro dele, o novo, isto é, é em segunda mão, mas um carrão, um Renault ou lá o que é! Esses são ricos. Ele é “contino” numa escola e ela trabalha no hospital, nas limpezas! Funcionários públicos! Bons salários! Assim não dá para todos! Uns tão bem e nós assim!”
“Olhe vizinha, vou ali à farmácia aviar uma receitazinha. Mas só trago os comprimidos do coração. Os para dormir e os do colesterol ficam para a próxima que não estamos em tempo de luxos. Temos de viver conforme as nossas possibilidades!” “Compravam tudo e ficavam a pagar ao banco. Ele era carros a 10 mil euros, ele era palácios tipo T2, uma gastação!”
“Não há luz? Oh mulher, tens alguma máquina avariada ou houve um curto-circuito? Ah, não pagámos e cortaram-na! E então como vou ver o futebol? E os miúdos não estudam? Vá lá que os dias estão maiorzitos…”
“Outra vez sopa com sopa, ainda te queixas? É o que há.” “Tens frio, embrulha-te num cobertor ou vai para a cama, não temos é dinheiro para aquecedores.” “Dói-te um dente, bebe um bagaço que isso passa. Dentista só se for depois de recebermos o subsídio. Ai que me esquecia…já não há. Paciência! Podia ser pior.”
“Não andas bem…devias ir ao médico… pois… o bilhete de autocarro…as taxas, os exames, as receitas… pode ser que passe…não te sentes melhorzito?” “Malditas férias escolares! O que vou dar de comer aos miúdos? No tempo de aulas ainda almoçam na escola.” “Tanta gente a dormir na rua! Viveram anos em palácios e deu nisto. É o que é!” “ Para a luz tanto, para a água tanto, para o gás tanto, para a comida tão pouco, e ainda … e ainda… e ainda…”
Retalhos de um país acima das suas possibilidades! Um povo inteiro (quase, não todo) acima das suas possibilidades! Festanças e bailes! Fartança e mais fartança!
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