Mário Nunes
Anteontem comemorou-se o dia mundial da Poesia, cumprindo-se uma deliberação da XXX Conferência Geral da UNESCO de 16 de Novembro de 1999, que pretende promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia em todo o mundo, abraçando o espírito poético da Grécia em que a poesia ocupava um lugar especial na cultura, sendo, além de lida, cantada e acompanhada pela lira.
Manifestações alusivas àquela arte aconteceram em todo o nosso país. E, o Dr. João Rasteiro, poeta de Coimbra, com prestígio e prémios nacionais e internacionais, quis ofertar-nos mais um dos seus livros, o último, denominado “Tríptico da Súplica”.
Ao lermos este magnífico exemplar ocorreu-nos o valor que os livros possuem, porque são os amigos, como diz Baptista Bastos “que também se abrem e que têm respostas para quase todas as nossas inquietações”. Ou, apreender o pensamento de Fernando Savater “a leitura é um prazer e os prazeres não se impõem”. E, ainda, volver o olhar e o inteleto para a poesia de Sebastião da Gama, “o poeta beija tudo … e aprende com as coisas a sua lição de sinceridade … porque é preciso saber olhar … para criar”.
João Rasteiro, portador de inquestionável sensibilidade, goza dos atributos que antes registámos. O seu conceito de poesia sustenta-se nos poemas que oferece ao público e que emanam força e realidade íntimas e vividas, que resultam do olhar que lança sobre o universo das coisas que o rodeiam e que traduz na sua linguagem. As palavras incarnam uma visão introspetiva que viola o “ego” do leitor, que lhe produz a incontida satisfação que Herberto Helder soube anunciar e que Rasteiro bebeu:” se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu, eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia”.
“Tríptico da Súplica”, testemunha, como escreve o autor na dedicatória: “um tríptico” que ousa a utopia, pois escrevo um poema, imprimo o mundo”. E, se referenciarmos os motivos da criação do dia mundial da poesia, interiorizamos o pendor imanente que dele brota. É que o “Tríptico da Súplica” não é um poema, mas um mundo de poemas, “um universo provecto! Verbo brotando dentro, a ostentação da criação …”.
Esta obra que afirma a extraordinária carreira poética de João Rasteiro, foi editada no Brasil, São Paulo, e integra a série “Poesia Portuguesa”, constituindo, como prefacia o poeta brasileiro, Carlos Felipe Moisés, a poesia da poesia, porque à poética do rigor se juntam a “voluptuosidade com que os versos brotam, sem cessar, da poderosa imaginação verbal do poeta … tudo aparece regido pelo ímpeto desabalado das sensações em liberdade e das associações inusitadas … verdadeiro magma de palavras …”. Livro que incorpora valores da tradição bíblica do Eclesiastes e do Apocalipse de São João, que acaricia o romantismo visionário de Blake e ou Novalis e até comunga da grandeza dos surrealistas.
Enfim, João Rasteiro transporta-nos para o tempo sem tempo, na unidade inseparável em que as palavras são as pessoas, a natureza, a cultura, o amor, a liberdade e a humanidade. Uma obra audaciosa repleta de fortes imagens, onde os poemas ostentam a sonoridade, a vibração e a surpresa do significante.