Pouco e mau trabalho

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Aires Antunes Diniz

Nas cidades onde vivo é frequente dizer-se que há poucas obras em curso, medindo-se assim a actividade de construção pelo número de gruas a trabalhar. Ninguém escreve nos jornais como em 1932 que “vão muito adiantadas as obras de calcetamento da rua Sofia a paralelepípedos. Neste arranjo andam 30 operários.” Agora nem sequer se fala das obras paradas da Parque Escolar, que nalguns casos se comporta como a Metro Mondego, que iniciou obras para logo as parar.

De facto, foi assim deixando escolas à beira de um ataque de nervos. Antes, trabalhou atabalhoadamente na sua requalificação, gastando muito e mal e de uma forma patológica que repetiu de norte a sul do país. Por isso, algumas das suas criminosas tontices repetem-se, mudando apenas o local do desastre. Mesmo o processo de arrumação dos arquivos escolares e dos livros das bibliotecas impede há muito as escolas de voltarem a ter uma vida escolar normal. Entretanto, desapareceram em todas elas equipamentos educativos imprescindíveis e os órgãos responsáveis ao mais alto nível não tiveram, nem têm o zelo esperado e necessário no seu controlo, fazendo disparar os custos.

Infelizmente, uma estranha cortina de silêncios cúmplices enevoa a tomada de conhecimento desta situação pelos cidadãos que, contudo, sofrem a cada momento os efeitos dos desvarios do governo, dos arquitectos, engenheiros e economistas que, finalmente, juntaram os maus dados técnicos e os transformaram em desperdício de dinheiros públicos. São os que agora nos fazem falta. Sente-o até o mais alto magistrado da nação. Sentem-no os seus conterrâneos que ouvi quando andei perdido por Faro, sentindo a crise na argumentação dos amigos, que conversam na calma da noite e nos actos insólitos que observei, e que, infelizmente, existem por todo o país.

Pior são os crimes e os roubos que pontuam de forma impressiva os noticiários e as conversas de todos. Entretanto, vamos sabendo de desigualdades na aplicação das leis ditas de austeridade pois não são iguais para todos. Sucedem-se também os comportamentos perversos de empresas dominantes nos diversos mercados, que tentam levar os já depauperados orçamentos domésticos a gastar mais e a desviar assim para elas os consumos. Mas isso não aumenta a qualidade de vida de ninguém.

De facto, se todos temos de ser mais frugais, gastando menos e melhor, o Estado deve colaborar na organização das condições sociais que permitam alcançar este objectivo, e sempre com um nível adequado de satisfação das necessidades sociais e pessoais que equilibrem e mantenham coeso o todo social.

Infelizmente, o governo não tem uma política que tenha em conta quaisquer barreiras fisiológicas, sociais e económicas dos cidadãos, que, sendo ultrapassadas, levam a um ponto de ruptura grave.

É nosso dever avisá-lo.

 

1 – O Algarve, 13 de Novembro de 1932, ano 25, n. 1284, p. 1, coluna 6.

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