Mário Frota
O monopólio do gás está a exigir dos consumidores, cujas dívidas de 2007 em diante se acham prescritas, a subscrição de planos de pagamento, à revelia da lei.
Ora, se é certo que as dívidas prescritas dão lugar a obrigações naturais e que, se o consumidor pagar, não pode exigir de volta os montantes satisfeitos, o que se não deve é ficar indiferente perante estes “contratos forçados” de “renegociação de dívidas” prescritas que, ante a natureza injuntiva destes direitos, estão necessariamente feridos de nulidade.
Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo se outra solução derivar da lei.
E nem sequer se digna que a prescrição, para valer, carece de ser invocada. Porque a lei exige também das empresas a sujeição ao princípio nuclear da boa-fé, que é preterido na circunstância. E se o caso fosse a tribunal, sempre se poderia invocar a litigância de má-fé, implícita em condutas tais…
Os consumidores não devem pagar os montantes exigidos em “cumprimento” de um plano de pagamento diferido no tempo, porque ferido de nulidade.
E a nulidade, como se não ignora, é passível de invocação a todo o tempo, por qualquer interessado, e pode ser conhecida oficiosamente, se for o caso, pelo tribunal.
No caso vertente, porém, só o consumidor o pode invocar, de acordo com a Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
O monopólio do gás não pode abusar da sua posição de senhorio económico para tirar partido da ignorância, da vulnerabilidade e da hipossuficiência do consumidor. Com o que se avantaja, quando – em decorrência de situações de negligência e inoperacionalidade na cobrança regular das facturas que não põe tempestivamente a pagamento – perderia tais montantes.
Como diziam os romanos, “sibi imputet” (a si próprios devem imputar as consequências de uma tal conduta), não enredando o consumidor em processos nada lícitos e com consequências desastrosas para a parte mais frágil da relação jurídica…
Os consumidores devem recusar-se a aceitar planos de renegociação quando as dívidas se achem prescritas.
Repare-se no que estabelece o artigo 10.º da lei dos Serviços Públicos Essenciais:
Prescrição e caducidade
1 – O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 – Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 – A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data limite fixada para efectuar o pagamento.
4 – O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 – O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.”
A prescrição deve ser invocada pelo consumidor, no estádio actual do direito, tanto extrajudicialmente, como em juízo, se for instaurada qualquer acção de cobrança ou injunção.
Por força do art.º 303 do Código Civil.
O carácter injuntivo dos direitos reconhecidos pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais decorre do artigo 13, cujo teor é o que segue:
Carácter injuntivo dos direitos
1 – É nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos aos utentes pela presente lei.
2 -A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo utente.
3 – O utente pode optar pela manutenção do contrato quando alguma das suas cláusulas seja nula.
Só a informação e o domínio dos direitos previne o conflito ou atalha a persistência da violação dos direitos.
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